Stoner

Lembro-me com clareza do momento em que comprei Stoner. Deambulava pela loja à procura de algo novo e deparei-me com um livro velho. Tinha trinta e cinco anos e, tendo presente que a Arte consubstancia, além do Ser Humano, a única busca conscienciosa para nos surpreendermos, eu procurava uma obra diferente das que tinha em casa.

Na livraria, li que o livro havia sido escrito em 1965, que somente tinha vendido cerca de dois mil exemplares, que o seu autor, John Williams (não confundir com o compositor) havia publicado quatro obras em toda a vida, que fora professor universitário, e que esta obra o havia resgatado ao esquecimento, quiçá eterno, devido à tradução da escritora francesa Anna Gavalda em 2013. Começava então a segunda parte de uma bonita história, da qual me orgulho de fazer parte, em que um coro de anónimos e figuras da Literatura, através da leitura e do testemunho, puderam elevar Stoner – e o nome de John Williams – ao lugar onde, apesar de ele nunca o ter sabido, sempre mereceu estar: nas palavras do jornalista Bryan Appleyard “[Stoner] é o melhor romance que ninguém leu.”.

Apesar de a acção decorrer na primeira metade do séc. XX, Stoner é o mais autobiográfico dos livros de Williams (não é difícil tendo em conta que Butcher’s Crossing (1960) se passa no século XIX e Augustus (1972) no tempo do Império Romano) e conta a vida de um professor universitário desiludido. Desiludido com a vida e com a carreira, refugia-se, apesar de tudo, na profissão para fazer da existência algo de meritório. É um livro triste e belo, demasiado belo para ser esquecido, demasiado realista para nos esquivarmos à empatia que sentimos pelo professor Stoner, demasiado triste para, aqui e ali, não deixarmos de nos identificar com o sentimento deste ser tão solitário. Todos nós, no fundo de nós mesmos, somos solitários. Stoner (Williams) só teve a coragem de o assumir.

E no entanto… é tão simples a escrita que nos magoa o ego, a nós que amiúde julgamos ser com tiradas para a posteridade ou retalhos de escrita poética que se constroem obras de valor. Williams suporta-se de uma bela história e de uma simplicidade desarmante. Poderá ter sido também por isso que a obra rasgou as décadas deste hiato para mostrar às gerações futuras que nem sempre é na diferença ou na inovação que reside a surpresa. A simplicidade também nos pode surpreender.

(…) aprendeu o que outros, muito mais jovens do que ele, tinham aprendido antes de si: que a pessoa que amamos no início não é a mesma que amamos no fim, e que o amor não é uma meta e sim um processo através do qual uma pessoa tenta conhecer outra.

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