Nascemos e somos criados numa cultura que, desde muito cedo, nos convida a sonhar. Neste sentido, o sonho não se define como a atividade onírica (não se trata das projeções criadas pelo nosso cérebro enquanto dormimos), mas antes de um projeto para a vida, algo cuja sua concretização fará com que atinjamos o ponto mais alto e mais significativo da nossa existência.
É possível então afirmar que o sonho tem um importante papel: o de provir a nossa vida de sentido. Enquanto houver um propósito, toda a ação humana estará justificada. Desta forma, e tendo em vista um fim último que se sobrepõe à trivialidade da vida, o sonho permite-nos suportar e ultrapassar as vicissitudes. Pode-se então dizer que, para além de atribuir sentido, o sonho tem também o a importante papel de nos motivar e de nos munir de resiliência perante as adversidades.
Conforme vamos crescendo, os nossos sonhos vão assumindo contornos mais objetivos e pragmáticos. Na infância, deixamos a concretização dos nossos sonhos nas mãos dos nossos cuidadores, mas com o passar dos anos e com a aproximação da idade adulto passamos nós a assumir essa responsabilidade. Esta transição tende a ser acompanhada de ansiedade e medo, afinal de contas passamos a ser nós próprios (em boa parte) a assumir os riscos das nossas escolhas. Popularmente diz-se que é nisto que consiste ser adulto: a responsabilidade pelas nossas ações, incluindo aquelas que nos levam à concretização dos nossos anseios.
É também com o aproximar da idade adulta que nos apercebemos de que a concretização dos nossos objetivos não depende exclusivamente do nosso desempenho. Por vezes, parece que o mundo funciona de tal forma que a concretização de sonhos individuais não é uma prioridade – ou nem sequer é uma possibilidade. Perante as necessidades de se ter uma casa, um emprego e uma vida minimamente decente, as nossas prioridades vão-se ajustando. Muitas das vezes, com todos os ajustes, os sonhos vão progressivamente deixando de ser projetos para se tornarem memórias – ou fantasmas.
A atual sociedade funciona a um ritmo muito acelerado, principalmente devido ao paradigma da produção. Vivemos cheios de pressa, em rotinas caóticas entre oito horas de trabalho, algumas horas para dormir e tratar de afazeres domésticos e, se for possível, alguns minutos para apreciar facto de estarmos vivos e bem. Cada vez trabalhamos mais e com mais afinco. Mesmo quando não estamos em horário de trabalho, estamos a pensar no trabalho ou a planear o trabalho do dia, da semana ou do mês seguinte. A importância e o valor do trabalho não devem ser reduzidas, no entanto importa considerar que a nossa cultura atual transformou o trabalho numa obsessão. Em “A Sociedade do Cansaço”, Byung-Chul Han retrata esta relação tóxica entre os trabalhadores e o trabalho. Byug-Chul Han refere ainda que tendemos a exigir cada vez mais de nós em função de um tipo de produção que parece não ter limites, o que resulta numa sensação de “não se ser bom o suficiente”, em frustração e, não raras vezes, no desenvolvimento de patologias psiquiátricas.
É nesta sociedade obcecada pelos resultados, pela produção, pelo crescimento dos lucros que, com o passar do tempo, a nossa criatividade vai-se desvanecendo. A criatividade, esse característica tão bem desenvolvida e tão expressiva durante a infância, vai sendo substituída pelo cansaço e pela letargia.
O tempo verdadeiramente livre que nos resta, em que poderíamos ler uma obra ou ir a um concerto, é cada vez menos. A relação entre a criatividade e a arte não nos é estranha, parece até ser algo que facilmente conseguimos intuir. Não é à toa que as crianças (altamente criativas) são propensas à expressão artística. De igual forma, poderemos facilmente deduzir que também há uma estreita relação entre a criatividade e o sonho. Afinal de contas, o sonho é uma expressão da nossa capacidade de criar. Neste sentido, a contemplação da arte, e nas suas mais variadas expressões, é como que um combustível para os nossos processos criativos e, em última estância, a matéria de que são feitos os sonhos. Como escreveu Oscar Wilde, “a vida imita a arte mais do que a arte imita a vida”. Numa cultura fortemente enraizada no crescimento material e na subjugação das pessoas à produção desenfreada, o tempo para a contemplação da arte (e mesmo da vida) tende a desaparecer e, com ele, a nossa criatividade e os nossos sonhos.
Embora os tempos atuais pareçam ser adversos para quem sonha, sonhar não deve ser de todo desencorajado. Afinal, o sonho continua a ter a importante função de atribuir sentido à nossa vida e de nos motivar diante os obstáculos e as provações. Mais do que nunca é importante sonhar. Perseverar enquanto sonhadores num mundo que quer capitalizar a nossa existência é um verdadeiro ato de rebeldia e de transformação. Com disciplina, com coragem e sabedoria é possível viver pacificamente nesta cultura capitalista sem que sucumbamos à sua toxicidade e, assim, poderemos seguir caminho rumo aos nossos sonhos, inspirando as pessoas à nossa volta e contribuindo para a mudança a uma escala maior.