Num destes dias, em pleno almoço, uma amiga declarou: tenho saudades da minha sala! Assim mesmo! Entreolhámo-nos, os restantes, com ar de riso espantado. Falaria de uma sala numa outra casa que pudesse ter? Não, falava mesmo da sala do seu lar. Só me ocorreu responder-lhe que a previsão meteorológica no fim-de-semana era de sol, talvez devesse aproveitar para ir matar saudades do local. Ah, mas está fria, de desabitada. Ao que respondi que no Cabo da Rocha está sempre vento… São assim os nossos almoços, cheios de riso.
Saí do local a pensar nisto. De facto, muitas vezes temos condições e bens dos quais não usufruímos.
Não tão longe assim, coisas estranhas aconteciam nas casas das pessoas. Compravam-se mobílias caras para colocar numa assoalhada, e de seguida trancava-se a porta, para não apanhar pó, para não estragar. Eterna noiva prometida, nunca haveria casamento nem consumação do acto, permanecendo intacta entre 4 paredes.
Até que um dia se abria, ainda que apenas para mostrar aos visitantes, explicando que, valha-nos Deus, só se vai usar no casamento da Martinha que nasceu agora, pelo que vamos para a sala velha. Ou pior, colocando plásticos sobre os tapetes ou alcatifas, e lençóis sobre os móveis, como se preparassem uma ausência prolongada. Outro recurso, havendo espaço, era ter cozinhas duplicadas: uma para o dia a dia, outra para os grandes dias (2 ou 3 numa vida). O mesmo com as casas de banho, no piso térreo, para se tomar banho logo à chegada, sem macular a limpeza da principal.
Eram outros tempos e sobretudo outros pensamentos. Eu própria, criada com os meus avós, sempre tive uma cama de casal, quando tudo o que eu queria era um quarto com espaço para os meus livros. E porquê, perguntar-se-ão, qual a razão de me ter sido imposta uma cama grande? Porque a Tia Custódia, de Viseu, podia precisar vir a Lisboa e assim já podiam recebê-la. Posso dizer-vos que veio uma vez apenas.
Defendo que a casa deve ser dotada daquilo que seja importante e necessário para quem nela mora, e não pensada para inglês ver, para impressionar, e sobretudo para usufruto dos outros.
Hoje em dia a maioria de nós mora em apartamentos, com áreas limitadas e tendencialmente escusas. Não há assim espaço para guardar assoalhadas e espaços para usos futuros, que podem nunca acontecer. O futuro é hoje, o que me soa a slogan informático, mas é mesmo isso.
Actualmente as coisas são diferentes, mas ainda assim há situações em que menosprezamos os bens que, regra geral, custaram a adquirir. Há as bicicletas de interior que sentem que em si vive um bengaleiro, ou quem compre máquina de lavar loiça para servir de base à televisão, ou use a mesa da sala para a papelada largamente espalhada pelo tampo. No caso da minha amiga, a saudade da sala tem outros motivos… horários tardios, box no quarto e um marido friorento que rápido vai para os lençóis.
Por tudo isto faço questão de usufruir da minha sala em pleno.
Porque a casa deve servir quem a habita.