Sempre com dúvidas, com questões internas várias e indagações constantes sobre o que me rodeia e o que me está dentro. As decisões não são fáceis. Não esbanjo certezas. Agora, depois de alguns anos, consigo adivinhar algumas, poucas, que me dão uma satisfação imensa. A pessoa ter a certeza do que quer traduz-se numa serenidade inexplicável. As certezas trazem paz de espírito. Ainda que não por muito tempo para gente de dúvida, como eu.
Mas a certeza é só uma opinião, apesar de muitas vezes parecer querer equiparar-se à verdade. Achamos com as certezas que sabemos a verdade das coisas,como se as certezas de cada um fossem verdades universais. A Verdade há-de ser uma, mas dela só temos cortadas visões que sempre brotam limitadas, de um certo ponto de vista, sempre sujeito a mudança. As certezas devem ser afirmadas com uma certa timidez, um certo pudor, dado pelo reconhecimento de que podem, pela natureza desde logo de quem as carrega, ser passageiras. Pedem contenção.
Quem tem muitas certezas não se dá à mudança, mas bolas (!), vive muito mais seguro de si, sem uma série de dúvidas mais e menos existenciais que têm peso de exagero nas nossas costas, qual Atlas condenados a sustentar a gravidade dos céus.
Quando estou diante destas pessoas, tão cheias de certezas, fico sempre admirada, até com um pouco de inveja, devo admitir, perante a segurança de saberem (pelo menos aparentemente) a sua exacta posição sobre as coisas, sobre os assuntos. Sabem o seu lugar. São pontos finais.
À medida que os anos passam, mais nos damos conta dos paradoxos: podemos ter mais experiência, mas a sensação de ignorância aumenta. Duvido, logo de início, daqueles que acham saber tudo, de um tudo. Penso em silêncio que isso é de uma prepotência descabida, achar que se sabe muito. Pelo contrário, os mais sábios têm poucas certezas, acusando a humildade platónica. Mas os primeiros vivem melhor, caramba! Sabem ao que vêm. São pontos finais, às vezes parágrafos. E acabou.
Depois há os que não levam isto demasiado a sério, os exuberantes, que atentam mais na forma que no conteúdo, procurando sempre sublimar o bastante que a realidade já é. Fazem piadas de tudo, fazem drama do mesmo tudo. Podem falar mais alto, dramatizando com folhos e purpurinas a cena do real. Há um sopro teatral na sua existência, no derrame de uma boa camada de maquilhagem em tudo o que dizem, em tudo o que pensam, podendo até pintar de simples o que é complexo. E isto tem muito de arte. São pontos de exclamação e são os melhores para animar a festa. Podem cansar, mas é na solidão que despem a batina de quem sabe o preço de tudo e o valor de nada. Estes jokers nunca vão a fundo nas questões, fogem da profundidade como o diabo da cruz. É na superfície que se dança.
Contudo, quem se interroga constantemente também cansa, os demais e a si mesmos. Como não dessem sossego a esse diálogo interno que não se sabe desligar. Autoanálise em fluxo contínuo, divã de Freud e descendentes, oráculo de Delfos e seguidores. O louvor da pergunta. Como? Porquê? E se? Ter dúvidas é cansativo, não deixa o espírito repousar. Nenhuma certeza se apresenta como suficientemente segura para que possamos amainar sobre ela.
O perigo da ignorância estendida no seu paradoxo: quanto maior a ignorância, menor o seu reconhecimento. Já se sabe. Se não vemos o que não sabemos, andamos como reis e senhores da nossa parca sabedoria, que ela faz por se alargar no espaço.
As vírgulas, aquelas que ligam tudo, que permitem como que uma colagem constante sem demarcações vincadas. Como se a existência se expandisse só para os lados em vez de traçar trajectória de avanço. São os copulativos: os anos podem passar e a vida ficar na mesma, se não forem capazes de se fazer ponto final. Há frases que devem acabar. Há vírgulas que nos fazem perder o fio à meada…
Quando olho para a frente, para um ponto bem distante no caminho, vejo um Alberto Caeiro a dizer que o Mundo não foi feito para pensarmos nele, mas para olharmos para ele e estarmos de acordo. Esta capacidade de aceitação do Mundo como ele é está na minha lista de ambições, a serenidade. Mas falta muito. Falta uma vida talvez. É que, se por um lado, considero que este pode ser traçado como um supremo objectivo de quem cá anda – a aceitação – por outro, não vejo que o Mundo ande para a frente pela mão pacífica dos sensatos. As temperaturas mornas e as medidas doces são boas para deixar as coisas como estão.
Continuo a ser um retorcido ponto de interrogação, na esperança de que, num dia longínquo, me caia a curva e me faça ponto. Ponto.