Sabemos que as doenças infecciosas que afectam o ser humano são causadas por vírus, bactérias, parasitas, fungos e partículas infecciosas formadas por proteínas.
Um momento. Partículas infecciosas formadas por proteínas?! Sim, também chamadas de priões, estas partículas infecciosas formadas de proteínas com forma aberrante, diferem dos demais causadores de doenças infecciosas por não apresentarem material genético (DNA ou RNA). O nome em inglês (Prion), é na verdade uma junção entre as palavras proteinaceous e infection.
Tentando relembrar, podem chegar à conclusão de que nunca ouviram falar de nenhuma doença causada por essas estranhas proteínas mutantes chamadas de Priões. Corria o dia 21 de Março de 1996, quando se confirmou num homem uma nova e grave doença. Era a nova variante da Doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ).
Doença de Creutzfeld-Jakob? Ao ler este nome tão estranho, podem pensar que nunca ouviram falar de tal doença. Na verdade, a nova variante da DCJ nada mais é do que, naqueles finais dos anos 90, ficou conhecido como a doença da vaca louca em humanos. Lembram-se como foram aqueles tempos? Jornais e telejornais falavam sobre o assunto como, em dias mais actuais, se falou sobre outras doenças, como a gripe suína (ou gripe A), o ébola ou o zika vírus.
Os priões produzem doenças chamadas pelo extravagante nome de “encefalopatias espongiformes”, ou seja, doenças nas quais o cérebro e outros tecidos neurais são gravemente afectados e onde o tecido normal vê-se afetado. O cérebro doente acaba por ficar com a forma de uma esponja. São doenças degenerativas, sem cura nem vacinas e sempre fatais.
A infecção por um prião acontece da seguinte forma:
Uma pessoa ou animal ingere um prião infeccioso, através de um alimento contaminado. Este prião é absorvido pela corrente sanguínea e chega até ao sistema nervoso, onde entra em contato com um prião normal (uma proteína normal do sistema nervoso), mudando o seu formato e convertendo-o num prião infeccioso. Os dois priões infecciosos irão, então, modificar o formato de outros priões normais. A célula nervosa tenta livrar-se destas estruturas, mas não consegue e acaba por morrer. Buracos grandes, parecidos com os de uma esponja, aparecem nos locais onde estas células morreram e as várias mortes de células nervosas acabam por afetar a função cerebral e até mesmo levar à morte.
Na verdade, a nova variante da DCJ que surgiu nos anos 90, está relacionada com a epidemia no gado de encefalopatia espongiforme bovina (BSE ou doença da vaca louca). Em 1986, veterinários do Reino Unido, começaram a descrever a BSE em alguns bovinos que começaram a apresentar problemas relacionados com o Sistema Nervoso Central e que acabavam por morrer. Quando a doença foi descrita, ocorriam cerca de 8 casos por mês. No auge da epidemia bovina, no ano de 1993, 3.500 casos ocorriam por mês. O animal afetado deixava de se alimentar e, semanas depois, era necessário que o animal fosse sacrificado.
Com o tempo, os pesquisadores concluíram que a BSE era causada pelo uso de farinha de ossos e de carne nas rações que alimentavam o gado bovino. Esta farinha era feita a partir da transformação industrial dos corpos de animais que por alguma razão não podiam ser destinados ao consumo humano (como animais incapacitados, doentes ou já mortos). Assim, esta farinha era usada para fazer rações que depois iriam alimentar outros animais da mesma espécie que as usadas na sua produção. Pelo que, como os bovinos são seres herbívoros, foram obrigados a serem carnívoros e canibais. Esta foi uma situação que apresentava muita semelhança com a epidemia de Kuru, que houve entre nativos canibais na Papua-Nova Guiné.
Ao mesmo tempo, o uso desta farinha animal permitiu o crescimento da epidemia, pois os animais afetados pela doença BSE eram “reciclados”, para fazer mais farinha de carne e ossos. Assim, os priões acabavam por infectar o gado ainda sadio. A farinha de ossos e carne tinha cada vez mais priões e cada vez mais animais adquiriam a doença e morriam pela BSE, para, desta forma, alastrava-se a doença.
Como o Reino Unido era um grande exportador de animais para reprodução e de farinha de carne e ossos, a BSE acabou por atingir o gado de outros países. Foram detectados aproximadamente 5.068 casos em outros países, como a França, Alemanha, Irlanda e Portugal.
Apesar desta proibição, em Março de 1996 (6 anos após o início da epidemia no gado bovino) surgiu o primeiro caso da doença das vacas loucas em humanos, a nova forma da DCJ. Nesta variante, assim como nas vacas, o cérebro tem a sua textura modificada até ficar como uma esponja e em alguns meses a pessoa morre. A DCJ clássica conhece-se desde o início do século XX e é muito rara. Porém, a nova variante que surgiu nos anos 90 difere da forma clássica por afectar as pessoas mais jovens e pela ocorrência de sintomas psiquiátricos. Está associada ao surto que houve de BSE no gado, pois os pesquisadores descobriram que esta doença no ser humano era causada por priões adquiridos no consumo de carne e vísceras bovinas provenientes de animais afectados pela BSE.
Pessoas com a nova variante da DCJ apresentam problemas psiquiátricos (paranóia), de coordenação muscular (equilíbrio, fala…), problemas nos sentidos, perda da memória e, por último, entram em coma e morrem. Desde a morte do primeiro caso da nova variante da DCJ em 1996 até aos dias de hoje, 220 pessoas de várias partes do mundo sofreram com esta doença, sendo que 173 delas eram do Reino Unido.
Finalmente, depois de várias pesquisas, o governo britânico proibiu o uso de farinhas de osso e carne bovina na alimentação do gado bovino e, assim, se fez também no resto da Europa. Além disso, realizam-se analises de detecção da BSE naqueles animais em que há suspeitas desta doença. No final, estas medidas foram relativamente eficazes e a incidência das encefalopatias espongiformes no gado e no ser humano reduziram. Apesar disso, segundo estudos, a epidemia hoje encontra-se controlada, mas não extinta.