A Cura de todos os Males

Há muitos anos que defendo que uma das coisas mais importantes que aprendemos na escola é a História. No entanto, e tudo o que lerá a seguir se aplica a muitas outras disciplinas, senão a todas, não acredito que a forma como ela é ensinada seja a mais ajustada às necessidades do mundo de hoje e aos tempos que se aproximam. Se aprendêssemos a pensar e a tirar conclusões, a exprimir as nossas dúvidas e pensamentos, baseados em diversas visões e abordagens, criando debate, entenderíamos que a história não é uma sucessão de factos e acontecimentos, não decoraríamos datas de forma inútil e desnecessária, nem ficaríamos fechados em ideias pré-aprovadas ou concebidas. Compreenderíamos, na verdade, que tudo acontece em constantes ciclos de evolução, processos contínuos de aprendizagem, que nos vão trazendo os mesmos temas de formas diferentes, numa espiral de desenvolvimento crescente.

Acredito também, mas isto seria tema para outra conversa, que, para compreendermos devidamente estes ciclos, precisamos de abrir a nossa mente a outras áreas do saber, áreas há muito retiradas dos módulos educativos, por não corresponderem aos modelos científicos vigentes. Contudo, com elas poderíamos ter mais bases para entender estas mesmas dinâmicas de evolução, poderíamos entender o porquê de vivermos determinados processos e, muitas vezes, não nos conseguirmos “livrar” deles. Talvez, na minha humilde opinião, pudéssemos assim crescer um pouco como humanidade e largar determinados comportamentos e pensamentos de fundamento puramente egocêntrico.

Voltando ao tópico principal, se compreendêssemos a história e, simplesmente, não decorássemos datas e eventos numa linearidade temporal, entenderíamos muito do que estamos a viver neste momento no planeta, de forma global. Olhando à nossa volta, vemos uns Estados Unidos da América de Trump, um Brasil em profunda convulsão, uma China a preparar-se para implementar um Crédito Social, um Reino Unido num atabalhoado processo de saída da União Europeia, uma mesma União Europeia a tentar manter essa mesma união e em debate com inúmeras questões ideológicas, sem contar com uma Venezuela de Maduro, uma Rússia de Putin, uma Cuba ainda dos Castro, uma Coreia do Norte nas mãos duma criança mimada, um Japão a envelhecer dramaticamente, entre tantos, tantos, tantos outros exemplos, até mesmo aqui pelo burgo de Portugal.

Barack Obama, no seu discurso no passado dia 7 de Setembro, referindo-se ao actual Presidente dos EUA, disse: “Isto não começou com Donald Trump. Ele é um sintoma, não a causa. Ele está apenas a capitalizar os ressentimentos que os políticos têm alimentado há anos, um medo e raiva que estão enraizados em nosso passado, mas também nas crescentes revoluções que ocorreram nas vossas breves vidas.” Neste mesmo discurso, Obama referiu-se ao período pós Segunda Guerra Mundial e ao 11 de Setembro. Obama é um raro exemplo, goste-se ou não da sua personalidade ou das suas ideias, de uma das grandes mentes dos tempos actuais, um líder que compreende, estuda e observa os ciclos, a história, o mundo.

Tudo o que vivemos hoje é reflexo do que foi vivido para trás, não só nas nossas vidas efectivas, mas nas dos nossos pais, dos nossos avós e bisavós, de todas as gerações para trás. Geração após geração, todos temos vindo a construir um mundo, cada um colocando o seu legado como base para o legado seguinte. No entanto, quando deixamos de olhar e respeitar esse legado, deixamos também de compreender as pedras que constituem a base da nossa construção e, como vivemos num mundo aparentemente próspero e onde, nomeadamente em termos do que chamamos mundo ocidental, pacífico, sentimo-nos de ego insuflado, poderosos e a quem nada pode atingir. Não somos os únicos, nem os piores, acredite, as gerações anteriores tinham formas de agir em tudo semelhantes, o ambiente é que era díspar.

Nenhum dos líderes mundiais é, na verdade, a causa de coisa alguma, mas sim uma consequência, um sintoma, como refere Obama, de algo muito maior e mais profundo, o estado de saúde social e humano a que chegámos. Acredito, porém, que a cura dos males não passa pela irradicação dos sintomas, como a nossa medicina tradicional muitas vezes faz, mas sim pelo trabalho e pelo tratamento da origem do problema. Num espectro social, político e humano, em última instância, a origem somos nós, independentemente do regime vigente, da nossa condição social ou do nosso nível financeiro.

Cada ciclo, cada momento, no mundo e em nós mesmos, é um percurso de aprendizagem e evolução, é um pedido de visão interior, de colocação em causa, pois só com estas duas ferramentas poderemos modificar-nos a nós mesmos e, como uma rede, algo tão bem conhecido hoje, mas tão mal usado e trabalhado, mudar, a pouco e pouco, o mundo. Sempre assim foi, sempre assim será. Quando compreendemos os nossos próprios ciclos, quando entendemos as nossas raízes, a nossa ancestralidade, não só familiares como sociais, podemos construir a nossa parcela do grande edifício que é a humanidade, de forma sólida e estrutural.

Com esse conhecimento e compreensão podemos curar o passado, limpar as feridas ainda abertas, transmutar essas energias e projectarmo-nos de forma mais consciente e humana para o futuro, tornando-nos também criadores desse caminho, do futuro. Não o podemos fazer por decreto ou por lei, nem sequer ficar à espera de que sejam as instâncias governamentais a fazer o que só nós podemos concretizar. Quando nos colocamos em causa sem julgamentos ou verdades absolutas, quando questionamos e aprendemos a ouvir, algo que tem de existir desde o início das nossas vidas, tornamo-nos verdadeiros engenheiros de um futuro melhor, pois não precisamos de ser tolerantes ou compreensivos, já o somos em essência, pelo respeito pelo próximo como a nós mesmos, pelo respeito do nosso próprio espaço, sabendo impor o limite quando necessário, mas sabendo também vulnerabilizarmo-nos e mostrarmos as nossas fragilidades, medos e dúvidas.

É dessa forma que os nacionalismos irracionais são deitados abaixo, que nos colocamos no centro das nossas vidas, sim, mas sem egocentrismo nem egoísmo, da forma correcta, aquela onde compreendemos que só crescemos em comunidade e em que cada comunidade, seja grande ou pequena, compreende que não é uma ilha, que necessita das outras comunidades para poder crescer, que elas não têm de ser ameaças, mas que podemos todos coexistir, haja assim respeito e compreensão, aceitação e mais braços abertos. É dessa forma, acredito, que o mundo em que vivemos pode, dia após dia, transformar-se e melhorar. Acredito nisso, não porque sou um idealista ou um fervoroso optimista, bem pelo contrário, mas sim porque o vejo nas coisas mais simples, numa existência física humana (e, de outra forma, também a animal e a vegetal) que representa um microcosmos de tudo isto, também ela composta de comunidades integradas, que se entreajudam, que se auxiliam, e que nos mostram também o reverso da medalha, que, quando não estamos devidamente centrados, que quando não integramos corpo, alma e espírito, adoecemos, geramos conflitos internos e autodestruímo-nos.

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