O destino não é uma escolha nem tão-pouco a dor. Porém, a nossa atitude perante o que nos acontece é uma escolha individual. Se nos permitirmos dar foco a novas perspectivas, é possível fazer do sofrimento um trampolim para novos patamares, para níveis mais conscientes da nossa existência. Para uma escala evolutiva que nos faz ter um olhar mais apurado e selectivo, para reparar nas coisas subtis da vida e no quão belo, leve e acessível é o simples. No quão livres podemos ser se nos aceitarmos como somos, confiarmos na vida e formos verdadeiros.
Cada vez que entramos no desconfortável, é-nos dada uma oportunidade para nos reinventarmos, para percebermos que somos mais do que julgávamos ser e que o sofrimento pode ser um afluente para a felicidade. Uma felicidade mais amadurecida, branda e consciente. Uma felicidade mais feliz.
A dor e o sofrimento podem fazer-nos crescer, se estivermos dispostos a transformar as armadilhas da vida em poesia e em bagagem para um crescimento interior. Se nos dermos a oportunidade para desenvolver autocompaixão, o desconforto pode abrir-nos janelas para nos acarinharmos e tratarmos melhor, deixando sair as coisas menores e permitindo-nos desapegar daquilo que não nos acrescenta valor. Por vezes, é na dor que percebermos um pouco melhor qual é o nosso lugar no mundo, num despertar para revermos a nossa relação com tudo o que nos rodeia. Não é fácil, requer muita inspiração, foco, força interior e exterior, e, acima de tudo, amor, essa rede invisível que nos alenta e torna capazes, mesmo recuando vezes sem conta. Até porque os recuos podem representar avanços…
Não sei por que razão tem de ser assim, mas parece-me que grande parte do nosso crescimento interior, e também do autoconhecimento, brota do desconforto e do sofrimento. Será necessário sentir dor para crescermos como seres humanos? Será necessário passar por provações para vermos as cores da vida com maior nitidez? Acredito que em grande parte é assim…
Creio que colocando a dor e o sofrimento em perspectiva, se desvendam novos sentidos para a vida, nos libertamos de preconceitos e ganhamos uma nova bagagem, mais selectiva e exigente, mas mais leve, simples e libertadora. Por isso, pôr em perspectiva o que nos acontece de menos bom poderá servir de impulso para absorvermos melhor os bons bocados do dia-a-dia, para gostarmos mais de nós próprios e para não gastarmos tempo com o inútil e fútil.
É no confortável que sentimos segurança, estabilidade, confiança e bem-estar. É, de facto, um bom sítio para se estar e para nos acomodarmos. No entanto, é quando saímos da nossa zona de conforto que nos reinventamos e nos tornamos mais criativos para atingirmos novas formas de bem-estar. Daí afirmar que o desconforto dá bagagem, pois é nele que aprendemos a olhar a vida sob novas perspectivas, a lidar com maior sensatez com a diversidade e com a adversidade. Afinal, somos um mundo infinito de possibilidades, se estivermos disponíveis para nos descobrirmos através das surpresas que não escolhemos que nos aconteçam, mas que escolhemos transformar em alavanca de exploração de nós mesmos e das nossas capacidades. Isto é autoconhecimento. É crescimento.
Encontrar conforto no desconfortável é um desafio enorme, e nem sempre possível. Mas, se estivermos dispostos, pode ser uma oportunidade para avistarmos novos horizontes, ganharmos bagagem e, desta feita, competência para desmontar as armadilhas que a vida nos vai colocando no caminho.
Pode parecer um lugar-comum, mas não somos o que nos acontece. Somos a nossa atitude perante o que nos acontece.