Passamos uma grande parte da nossa vida dentro de “Caixas”. No carro, no autocarro, na cama e eventualmente vamos acabar num caixão, mas temos outra caixa, o nosso corpo, a caixa de ressonância da nossa alma.
“O homem é feito de água. Seria uma estátua incolor e transparente, quase invisível, se não fosse a armação de pedra em que se firma e as várias imagens misteriosas reflectidas na sua superfície.” – Teixeira de Pascoaes
Somos mais que o nosso a aspecto, a nossa “alma” também conta, mas acima de tudo o corpo é uma unidade metafisica, biológica e social. O corpo também fala, limita e constrói imagens, ajuda-nos a construir ideias, preceitos e preconceitos.
O aspecto físico é sem duvida um dos pontos de partida para o preconceito e alienação – podemos falar no bulying, que muitas vezes parte do ataque ao aspecto físico. A auto-estima não é uma formula mágica e muito menos uma desculpa para vender livros de auto-ajuda, a auto-estima é não deixar que a acutilância e maldade dos outros deturpe a realidade.
A frustração de não conseguirmos superar a primeira impressão, os nossos medos e as nossas inseguranças é complicado, por isso, é fácil falar, mas cada um é que sabe como é que lida com a sua jaula, com as grades do corpo.
A liberdade também está no nosso corpo e na nossa relação com ele, principalmente porque vemos que as conceções de beleza e moda mudaram ao longo do tempo.
A moralidade, o dogma e o tabu também estão sempre na ordem do dia, porque a liberdade também é visual e existem tantas convenções sociais e culturais sobre o corpo que até cansa.
O que deves vestir, o que não deves mostrar, o gordo e o magro e o massudo. O corpo é um código de barras, os rótulos não param de interferir e inundar o senso comum com preconceitos inatos. No entanto, hoje em dia um dos principais problemas é ser-se preso por se ter cão e por não ter cão. Por isso, a carne está envolta num manto de clichés e condescendência.
A nudez é uma forma pura? Passando a barreira dos rótulos, das religiões e do tunning corporal o que nos resta? A pele, o osso e a carne, que com o tempo muda como uma árvore de folha caduca, num outono temporal. As folhas vão secando, a pele enruga, as folhas perdem o verde, os cabelos ficam brancos e, no meio deste jardim vivo, nós vamos moldando e fazendo a manutenção do corpo.
A finitude e caducidade do ser humano metem medo a muita gente, a lutar contra o tempo, contra a idade, contra a finitude corporal do ser humano.
Não existe um Photoshop para a alma nem para a ética. Para mim, a alma é a personalidade e as capacidades diferenciadoras, ou seja, as qualidades e defeitos de todos nos.
Quando somos novos, gostamos de passar por mais velhos e, quando somos mais velhos, gostamos de parecer mais novos. Olhamos para traz e não nos apercebemos de como o tempo passa, de como mudamos.
Parece que a diferença entre as gerações é cada vez maior. Os preceitos sociais relacionados com o corpo e a sexualidade mudaram muito com o tempo, mas a verdade é que não. As pessoas esquecem-se que o que agora é banal e garantido antes era uma tormenta. É verdade que o julgamento e o falatório ainda fazem parte, mas agora a individualidade continua a ser um problema para certas pessoas.
A roupa uniformiza e ajuda a catalogar as pessoas, é um veiculo visual. O problema surge, quando criamos normas-padrão materialistas. A moda e a lógica de associar roupas a comportamentos é um pântano de conceitos voláteis.
A individualidade e o corpo também é politica, materializar ideologias morais em politicas. Em muitos sítios ainda existem leis arcaicas e punições medievais para pessoas que usam tatuagens, que tem uma orientação sexual diferente, para adúlteros etc.
Portanto, o impacto da politica abrange todos os aspectos da vida humana, o poder de mudança. O corpo é uma metáfora politica. O corpo politico, espírito corporativo, o corpo neste sentido pressupõe coesão e ordem, uma harmonia digna de um exame de abelhas à procura do mel.
Porém, continuamos a andar na corda bamba da era da tecnologia, a jaula do corpo que nos leva à discussão de matérias inflamatórias. O aborto, a clonagem, a eutanásia, estas são algumas das questões que continuam a ser controversas e que vão gerar discussões infinitas.
Fazemos das tripas coração, quando pensamos no destino, no passado na jovialidade que parece que se vai perdendo com o tempo. O corpo vai amadurecendo, o vinho da vida vai-se tornando vinagre e as questões continuam.
A vida depois da morte e o conforto anestesiante de saber ou pensar que existe um hotel celestial à nossa espera acalma o medo de ter uma vida meramente corporal. Passamos o tempo a olhar para os ponteiros do relógio biológico, os ponteiros que vão provocando uma erosão que parece lenta.
O corpo ainda é um mistério, o potencial do cérebro, os sonhos e os seus códigos e as prisões corporais do coma e de estados vegetativos.
O corpo é uma jaula de metáforas, de projecções em espelhos e olhares. Pode parecer que hoje em dia falar do corpo é falar apenas de ginásios e em estar em forma, mas falar do corpo é também um processo de desconstrução social.
A cultura, a identidade, o género e a politica, tudo isto é visual e corporal, o poder do corpo como espelho das mudanças sociais, das assimetrias e de uma história, uma historia feita de tecido, carne e osso.
Portanto, no meio de tantas multidões e identidades, parece que pensar fora da caixa é um imperativo, plantar sementes de mudança, falar dos problemas dos dogmas, libertar e cristalizar o corpo em arte.
A literatura, a pintura a musica são corpos de pensamento que nos ajudam a pensar fora da caixa, a criatividade a dar cor a vida.
O corpo, irradia ideias, visões, paixões e ódios, é difícil superar tanto falatório e tanta demagogia de café. Estar constantemente a olhar para o lago e nos afogarmos no reflexo do narcisismo contemporâneo, os egos que no choque da pressão de pares se prendem ao banal e material.
“Sentir tudo de todas as maneiras,
Viver tudo de todos os lados,
Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo,
Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos
Num só momento difuso, profuso, completo e longínquo.”
(Álvaro de Campos)