Adoro policiais, mas nunca tinha lido um em português e estava curiosa. Confesso, mais do que curiosa estava com medo de não gostar, que me parecesse forçado, de tão habituada que estava aos policiais estrangeiros. Só conseguia pensar em más novelas. Os escritores portugueses são excelentes e deliciosamente poéticos, mesmo quando são crus, mesmo sem querer ser, encontro sempre beleza nas entrelinhas. Por isso, não imaginava como seria ler um autor português que fosse só pragmático, duro, de factos, como costumam ser os policiais.
Já tinha ouvido falar muito e bem de Francisco José Viegas e chamou-me a atenção O Colecionador de Erva. Arrisquei.
E ainda bem que o fiz!
Francisco José Viegas consegue ser muito português até com um policial. Há factos, há investigação, há procedimentos, há pragmático – mas há muito mais, há uma portugalidade típica no que ele escreve. Encontramos beleza, pessimismo, poesia, saudade e história nas reflexões das personagens e também nas palavras escolhidas para descrever factos, já para não falar nos diálogos. Os diálogos, maravilhosos, ri-me muito com alguns, não sei se porque acredite que somos e falamos mesmo assim, ou se foi porque corresponderam à imagem que eu tinha dos diálogos de polícias portugueses. Se forem apenas uma imagem, um teatro, uma ilusão, é uma ilusão bem feita, é como um filme com bons actores, credíveis e reais.
Impressionou-me também a forma como o autor permite que o leitor adivinhe o que se passa. Há coisas que não são explicadas, são intuídas, são percebidas. Geralmente nos policiais há uma qualquer explicação onde todas as peças do puzzle encaixem, onde tudo fique dito e entendido. Neste livro, fica tudo entendido, mas vamos percebendo conforme o autor nos vai guiando, nos vai explicando, sem um “xaran” final onde tudo se encaixa. Vai-se encaixando, à boa maneira portuguesa.
Em relação à história em si, também gostei e achei muito interessante como Francisco José Viegas ia construindo toda a narrativa. Confesso que estava tão seduzida e admirada com a escrita e com a forma como tudo se ia construindo, que a história em si, embora me deixasse curiosa, acabou por fica para segundo plano. O que não é uma crítica, pelo contrário: é uma história verosímil na realidade portuguesa (sim, porque o macabro com requintes de malvadez não é tão cultural e típico nosso, embora também haja). Uma história possível, diferente e interessante, não é óbvia e altamente trágica ou macabra e isso foi uma novidade boa também.
Recomendo! Não é delirante e vertiginoso, nem me deixou com o coração a bater como outros policiais, onde há mais acção e é tudo mais negro e terrível e realmente não creio que seja isso que devamos esperar de um policial português. O que eu esperava, sem saber que esperava, foi o que encontrei: desejar virar a página para querer descobrir o que vai acontecer, o que aconteceu, o que vão dizer ou pensar ou fazer, mas ter também tempo para apreciar a beleza das paisagens, o pessimismo ou resignação dos pensamentos, as expressões tão típicas, as asneiras. Aquilo que somos.