Montalegre ou uma noite para recordar

Não consegui encontrar uma fórmula para tornar este relato interessante, razão que me trouxe alguns dissabores aquando da estruturação das ideias e da sua passagem para o “papel”.

Poderia referir a falta de vontade para partir para uma prova de orientação em Montalegre em Setembro, pouco tempo antes do início do ano lectivo – creio que já estava na universidade – e a falta de força ainda maior que me impediu de renunciar à partida à última hora.

Poderia falar da viagem para o Minho (só muito recentemente descobri que Montalegre fica em Trás-os-Montes…) e da entrada no Parque do Gerês quando me calhou em sorte dirigir a carrinha no final da viagem, já a noite havia caído e nunca antes eu tinha conduzido um veículo de nove lugares. Quando me perguntaram, depois de longos minutos de silêncio enquanto eu conduzia dentro de um nevoeiro cerrado, como é que eu conseguia ver a estrada, a minha resposta – Oriento-me pelo risco da berma – apenas fez o silêncio subir de tom.

Poderia mencionar a chegada ao “parque de campismo”, um terreno desbastado no centro da vila cujo único apoio era um balneário: Nem vedação, alvéolos, água, café de apoio,… nada… apenas chão e uma construção onde deveríamos tratar da nossa higiene mas que cedo (ou tarde, dada a hora de chegada) percebi que, pelo carreiro de água oriundo da estrutura de cada vez que alguém (eu) descarregava o autoclismo, carreiro esse que deslizava pelo suave declive até ao lugar onde eu pensava edificar a minha tenda, o qualificativo “higiene” era um eufemismo carregado de ironia…

Poderia explicar como acabei sozinho a tentar montar uma tenda de verão numa noite gélida sobre um terreno onde as estacas não furavam um solo que me parecia mais duro do que diamante e, mal a estrutura adquiriu a forma de um familiar afastado daquilo que eu reconhecia como uma tenda de campismo, me meti lá dentro para iniciar uma das noites mais frias, desconfortáveis e despertas da minha vida.

Poderia esclarecer que um fato de treino, dois pares de meias, uma toalha de banho à volta da cara, um gorro na cabeça e uma tenda de verão nada conseguem contra o frio noturno do norte de Portugal quando ele decide apertar.

Poderia simular a alegria que senti no dia seguinte quando outros participantes na prova, mais orientados do que eu, começaram a chegar com as suas tendas onde, comparadas com a casota de rafeiro onde eu não dormira, eu via a Maharajah’s Pavillion no Raj Palace.

Por fim, poderia escrever sobre como a vila de Montalegre me agradou, como a prova de orientação foi bem mais dura do que eu contava, com um calor abrasador durante o dia que caía para temperaturas glaciais assim que o sol se punha, como a companhia dos meus colegas de equipa compensou as duas horas que dormi na totalidade das duas noites que penei naquele picadeiro com um riacho improvisado, como esta experiência deu um contributo essencial para a aversão ao campismo que já então se me encontrava em formação e como é no meio de algumas vivências bem desconfortáveis que conseguimos descortinar momentos de puro prazer, conversas para relembrar, lugares para gravar na memória e risos e sorrisos que nunca se teriam formado nos nossos lábios se cada um de nós tivesse vindo apenas conhecer Montalegre e decidisse ficar hospedado (cada um encerrado) no seu quarto de hotel. Assim foi muito melhor!

Contudo, bom mesmo é viajar até Trás-os-Montes e conhecer a bonita vila de Montalegre e a envolvente por onde andei perdido durante a prova de (des)orientação.

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