Michelle Gurevich, ou a filha das limitações

Melancólica, alegremente sombria, Michelle Gurevich (Chinawoman de seu pseudónimo) é uma caixa de pandora em que até a esperança escapou. Profundamente feminina, com uma voz contralto, conduz o ouvinte para uma dimensão intimista, como um sussurro num acto de sedução.

Filha de engenheiro e bailarina russos emigrados no Canadá, Michelle cresceu embebida em música soviética e europeia dos anos 70. Essa memória é transportada na languidez das suas baladas, exibindo um glamour fatalista. Gurevich referem numa entrevista ao Centro de Arte Contemporânea Sergey Kuryokhin de São Petersburgo que, por ter começado a compor no seu quarto em Berlim e com um equipamento básico, isso se reflectiu na forma como canta. Após o seu percurso de dez anos como realizadora, lança o seu primeiro álbum ‘Party Girl’, em 2007. O seu trabalho foi rapidamente reconhecido na Europa, tendo lançado mais 4 álbuns, ‘Show Me The Face’ (2010), ‘Let’s Part in Style’ (2014), ‘New Decadence’ (2016), ‘Exciting Time’ (2018) e um single, ‘Russian Ballerina’ (2008).

O que torna esta artista ímpar serão as suas melodias ruinosamente mânticas e poemas possantes, como se assiste na música ‘Woman Is Still A Woman’. Não tendo contracto com nenhuma editora, Gurevich circula na cena underground e isso garante-lhe a liberdade criativa que guarda a sua identidade muito própria. É, de certa forma, daqueles artistas que não dão margem para meio termo – ou se ama ou se odeia. Prova disso são as aparições da música ‘Lovers Are Strangers’ no filme Kolka Cool de 2012 e a influência do seu trabalho no filme francês “Party GirlI” de 2014.

Com uma carreira de 12 anos e passagem por vários e heterogéneos países (i.e., Rússia, Lituânia, Letónia, França, Grécia, Alemanha, Polónia, Croácia, Eslovénia, Áustria, Eslováquia, Sérvia, Holanda, Roménia, Itália, Turquia, Suíça, Macedónia, Estónia, Inglaterra, Ucrânia, República Checa, Dinamarca e Canadá) resta perguntar: Para quando Portugal? A Internet refuta qualquer desculpa de desconhecimento desta senhora e qualquer melómano lhe reconhece valor. A coreografia A Meio da Noite de Olga Roriz conta com temas de Gurevich (entre temas de outros artistas) na sua composição. Então, coloca-se de imediato outra dúvida: Seremos um povo “duro de ouvidos” ou apenas reconhecemos valor ao mainstream?

Fica aqui, portanto, o meu repto em jeito de protesto: Senhores monopolizadores do mercado de eventos, esbugalhem os olhos para esta senhorita e limpem os ouvidos, pois existem fãs para vos dar dinheiro, caso ela venha a Portugal.

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Comments 1
  1. Michelle Gurevich em Portugal
    24.02.22 – Hard Club – Porto
    25.02.22 – RCA Club – Lisboa

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