Medicados para morrer

Todos os dias ouvem-se falar de histórias que anunciam o não cumprimento dos direitos humanos. As vítimas normalmente são as mulheres, como acontece no Congo, ou as crianças exploradas e violadas em demasiadas partes do Mundo. No entanto, existem outras vítimas que nem sempre são vistas com bons olhos. Os toxicodependentes e os restantes grupos que representam uma “ameaça à sociedade”, como os sem-abrigo, são levados das ruas pela polícia para “centros de desintoxicação” com condições deploráveis, mas com o intuito de lhes darem uma vida melhor.

Na China e no sudoeste da Ásia, são mais de 350.000 as pessoas que têm este tratamento, que acaba por, em parte, ser motivado pelo facto de estes centros estarem superlotados. Aliás, há quem prefira chamá-los de “campos de trabalho forçado”, porque a dita desintoxicação equivale a impetuosidades e a trabalhos explorados e forçados sem pagamento, ou, com muita sorte, com uma recompensa mísera (informação presente no relato da organização não-governamental Human Rights Watch [HRW]). Estas pessoas são mantidas, durante anos nestes programas, sem direito a irem a julgamento, ou a recorrerem à sua libertação. Acontece que o interesse em fechar estes centros, ou em libertar os prisioneiros é diminuto. As empresas locais acabam por ter uma enorme vantagem, pois o trabalho é extremamente barato, ou “de borla”, e é produtivo.

Nestes centros, juntam-se também crianças que, por vezes, com sete anos de idade, são capturadas e aprisionadas juntamente com os adultos. Posteriormente, são elas também vítimas não só de trabalho forçado e de condições desumanas, como também de abuso sexual e físico. Algumas agências como a World Health Organization e a U.N.Office (Drogas e Crime) tentaram fechar estes centros de detenção recentemente, mas pouco, ou nada foi feito. Na verdade, até aqueles países que eram contra o abuso dos direitos humanos acabam por aprovar esta situação e até participam, através de financiamentos. De acordo com a revista The Lancet, o governo dos Estados Unidos da América prometeu $ 400.000 para que um programa deste tipo fosse mantido. No entanto, o Departamento de Estado nega que o programa em questão não infringia os direitos humanos.

No Vietname, segundo informações declaradas na revista TIME, tem sido produzido o que se chama de “cajus de sangue”, que são vendidos no mercado internacional. Segundo testemunhos, os prisioneiros passam dez horas por dia a descascar e a tratar das nozes. Um trabalho que não é muito saudável, pois o óleo do caju queima a pele. Depois, a recompensa é feita por mês, sendo o equivalente a alguns dólares, ou a rigorosamente nada. Os prisioneiros podem ainda receber as “taxas administrativas” em que, em troca do trabalho árduo, recebem alojamento e comida, segundo afirma a HRW. O Vietname é o maior exportador mundial de castanha de caju e o fornecedor de topo dos Estados Unidos da América.

Em Outubro deste ano, a HRW aconselhou o presidente do Conselho Europeu, Van Rompuy, a pressionar as autoridades vietnamitas para que estas respeitassem os direitos humanos, durante a sua visita ao Vietname. Uma das medidas que aconselhavam que este tomasse era a abolição dos trabalhos forçados nos centros de reabilitação para toxicodependentes. Brad Adams, o director executivo da HRM, afirmou num comunicado que, “apesar de a Europa ver o Vietname como um importante parceiro comercial, o presidente Van Rompuy não deveria relegar os direitos humanos para segundo plano” – ver mais aqui.

Supostamente, estes trabalhos deveriam tratar dos prisioneiros toxicodependentes e garantir a salvação de todos, mas estará a resultar? Que Phong, um homem vietnamita que voluntariamente procurou tratamento para o vício em heroína em 2004, acabou por ser obrigado a exercer funções para salvar a vida. Segundo explicou à HRW, “se nos recusarmos a trabalhar, eles batem-nos. Se continuares a recusar trabalhar, eles mandam-te para o quarto do castigo”. Um quarto que mais parecia uma pequeníssima cela, onde os prisioneiros ficavam durante semanas, sem camas e apenas podiam lavar-se uma vez por semana. Ao longo dos anos, dezenas de adolescentes morreram nestes supostos centros de desintoxicação. Para além de não possuírem uma regulamentação a nível federal, a tendência é a sua permanência na sociedade.

Segundo algumas pesquisas realizadas em torno de prisioneiros que são libertos destes centros, estes acabam por voltar para as drogas, pois passaram por experiências de tal maneira traumáticas que até aumentam o risco de recaída, ou agravam o vício já existente. Esta ideia difundiu-se para além da Ásia e chegou aos Estados Unidos da América, onde tendem a ser menos radicais, mas cuja apostarecai nos mesmos ideais.

Estes centros encontram-se também situados na Tailândia, Laos, Malásia e Cambodja. Em Portugal, apenas sabe-se pelo Público que a Humans Rights Watch lançou um novo site em português com o intuito de “informar e sensibilizar o mundo lusófono para [estas] violações globais”.

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