Mães arrependidas

O que se segue são testemunhos na primeira pessoa de “mães arrependidas”, apresentadas no livro da socióloga Orna Donath.

“Foi um erro terrível”, diz Sky (mãe de três filhos, dois entre os 15 e os 20, e outro entre os 20 e os 25 anos). “Se pudesse voltar atrás, hoje, tenho a certeza de que não teria trazido filhos ao mundo. Isso é completamente claro para mim.”

“Não teria tido filhos, ponto final, sem dúvida. Eu digo sempre que cometi três grandes erros na minha vida: um foi escolher o meu antigo companheiro, o segundo foi ter filhos com ele e o terceiro foi ter filhos de todo.”

– Susie (mãe de duas filhas entre os 15 e os 20 anos)

“Abdicaria inteiramente de ter filhos, abdicaria dos três. Custa-me muito dizê-lo e eles nunca o ouvirão da minha parte. Nunca lhes seria possível compreendê-lo, nem quando tiverem 50 anos, ou talvez nessa altura, mas não sei. Abdicaria deles. Mesmo. Sem pestanejar.”

– Doreen (mãe de três filhos entre os 5 e os 10 anos)

Respondeu de forma veemente mesmo antes de Orna Donath ter terminado a pergunta

“Tive-o quando tinha 25 anos. Para mim, é claro como água que, se soubesse o que sei hoje – sobre mim e sobre o mundo –, não o teria tido. Claro e simples. Não passa um dia sem que eu dê graças por só ter um. Não passa um dia em que eu não diga ‘tenho a sorte de só ter um’. E isto é depois de dizer ‘e uma pena ter tido um, sequer’. Preferia não ter.”

– Carmel (mãe de um filho entre os 15 e os 20 anos)

“Perguntou-me se eu pudesse voltar atrás… sem dúvida alguma quem não teria tido filhos. Embora eles sejam fantásticos e amorosos e as suas dádivas sejam incríveis. Não desvalorizo isso. Eles acrescentam uma dimensão à minha vida que não existiria de outro modo. Mas se eu pudesse voltar atrás sem sentir culpa e todas estas obrigações? Não teria optado por este caminho.”

– Debra (mãe de dois filhos entre os 10 e os 15 anos)

“Para mim, é um erro. Quer dizer, é um erro. Porque é uma obrigação e eu quero viver a minha vida e tenho tantos planos. É por isso que me arrependo, porque podia ter feito outras coisas que são importantes para mim.”

– Erika (mãe de quatro filhos entre os 30 e os 40 anos e também avó)

“Não o suporto, ser mãe. Não suporto este papel. […] Posso dizer com toda a certeza que, sim, se eu soubesse há três anos o que agora sei, não teria tido um filho. Não teria tido.”

– Helen (mãe de dois filhos entre os 15 e os 20 anos)

Mães arrependidas, Orna Donath

Estarão agora quase todas as leitoras de sobrolho franzido, mais ou menos como se andássemos à procura de um unicórnio alado: “Mas isto existe?” Sim, isto existe. Experimente digitar no Google “hate being a mom” e surpreenda-se com a quantidade de resultados.

Talvez por isso, Orna Donath esteja a trazer ao de cima o alerta: quando uma mulher disser que não quer ser mãe, acreditem nela. Não a questionem, não a pressionem, não tentem mudar-lhe a opinião. Acreditem nela, porque ela não quer ser mãe.

A socióloga Orna Donath, da Universidade de Tel Aviv, em Israel, apresentou a sua tese de mestrado sobre judeus israelitas que não queriam ter filhos, porque não existiam estudos sobre a situação sobre quem os tinha e se arrependia de o ter feito.

As mulheres com quem falou não são aquelas que se queixam das dificuldades para depois concluírem, com um sorriso, que vale tudo a pena. São aquelas para as quais não há nenhum “mas”. Se pudessem voltar a atrás no tempo, escolheriam não ser mães e, pesando vantagens e desvantagens, defendem que os aspetos negativos, para elas, superam os positivos.

Impõe-se, então, a questão: porque é que estas mulheres optam pela maternidade?

A pressão social e familiar e a história cor-de-rosa que todos contam desempenharam um papel muito importante na decisão de avançar. No caso destas mulheres entrevistadas, muitas assumem que a pressão social também foi determinante. Em Israel, em média, os casais têm três filhos, pelo que não querer ser mãe é uma opção socialmente pouco aceite.

A psicóloga Filipa Jardim da Silva defende que, no âmbito de depressões pós-parto, em alguns casos, o quadro depressivo é ultrapassado e, ainda assim, o encantamento com a maternidade não chega. Mesmo amando os filhos e apreciando muitos momentos com eles, é possível existirem mulheres que não apreciam o seu papel parental. E é apenas isso. Não estão doentes. Não estão, mas podem ficar, porque a pressão social para gostar do novo papel é grande e os sentimentos negativos são reprimidos.

“Adoro os meus filhos, mas odeio ser mãe.”

Separar o que sentem pelos filhos do que sentem por serem mães pode parecer um contrassenso, mas não é. Filipa Jardim da Silva frisa mesmo que são dois aspetos muito diferentes, sendo possível uma mulher adorar os filhos e não apreciar as tarefas, rotinas, responsabilidades e papéis sociais inerentes à maternidade.

“Isso pode conduzir a um dia-a-dia em que não existe espaço para ser-se mulher, pessoa, filha ou amiga, mas apenas para ser-se mãe, o que pode retirar o prazer possível desta experiência. Daí a importância das mulheres pedirem ajuda e delegarem tarefas inerentes à maternidade, para que possam apreciar a sua experiência sem se sentirem sufocadas ou aprisionadas.”

Ninguém tem dúvidas que, quanto mais sozinha estiver a mulher e quanto menos recursos e apoios tiver, mais provável é que encontre desagrado na experiência. Contudo, mesmo aquelas que têm aparentemente todas as condições reunidas podem sentir-se arrependidas de entrar no barco da maternidade.

Karla Tenório, atriz e escritora brasileira, admitiu o facto de odiar ser mãe.

“Sou a Karla Tenório, tenho 38 anos, sou atriz, escritora, tenho uma filha de 10 anos e sou uma mãe arrependida. Transformei a minha angústia num movimento para amparar mulheres como eu: que não gostam da maternidade. Sou criadora do ‘Mãe Arrependida’, que visa à libertação da voz das mães que não são felizes como mães, que sofrem e sentem culpa por conta da maternidade.”

Conta que odeia ser mãe “desde que a menina saiu de dentro de si.” Teve uma depressão pós-parto, devido à pressão para ser uma boa mãe, mesmo quando sentia que essa não era a sua missão.

Dez anos depois, Karla “decidiu sair do armário, para incentivar outras pessoas a partilhar aquilo que realmente sentem. Durante muitos anos pensei que era a única a sentir-me assim”, confessa Karla, que ainda hoje diz que tenta superar o arrependimento que sente por ter sido mãe.

“É preciso acabar com o lado romântico da maternidade, que acaba por ser muito prejudicial, porque nos provoca tristeza, depressão e a morte”, reforça.

O paradoxo da maternidade

Sophie Brock, socióloga de Sydney, na Austrália, apresenta o podcast The Good Enough Mother (“A Mãe suficientemente Boa”, em tradução livre) e afirma que é necessário estar atenta a pensamentos como “eu quero passar cada minuto com minha filha e não consigo passar mais um minuto com ela. Sou muito agradecida por o meu filho existir e não consigo suportar o que se tornou a minha vida. Quero ser a melhor mãe possível e tenho muita raiva por ver como a minha identidade mudou.” Ou até mesmo “amo intensamente o meu filho e, neste momento, também o odeio.”

A ambivalência pode ser confundida com condições como ansiedade ou depressão pós-parto e, se não for expressa, pode aumentar o risco de piorar a saúde mental. Por isso, é sempre importante procurar apoio profissional, em caso de dúvida.

A luta por ser “boa mãe”

Ao contrário da primeira metade do século XX, por exemplo, agora espera-se que as mães deem “tudo” pelos seus filhos em termos de tempo, trabalho e recursos emocionais, mentais e financeiros — para além de necessitarem, ainda, de ter um alto desempenho no trabalho e nos relacionamentos em que se encontram.

“Todas as mães já conhecem isto: estamos sobrecarregadas, trabalhamos demais, carregamos a maior parte do trabalho emocional, a maior parte da esfera doméstica e as pressões do trabalho profissional”, afirma Brock.

“E as pessoas esperam que coloquemos uma máscara que diga: ‘Consegui fazer tudo!’”, conclui.

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