“Eu tenho um sonho. O sonho de que os meus quatro pequenos filhos viverão um dia numa nação onde não serão julgados pela cor da sua pele, mas pela qualidade do seu carácter”.
Martin Luther King Jr.
RAÇA.
“Divisão tradicional de indivíduos cujos caracteres físicos biológicos são constantes e hereditários (ex.: raça amarela, raça branca, raça negra, raça vermelha). [Os progressos da genética levam hoje a rejeitar qualquer tentativa de classificação racial.]”[1]
Perante o esclarecimento de que o vocábulo raça, cientificamente, não tem aplicabilidade aos seres humanos, é indescritível ouvir em pleno século XXI, num país ocidental como Portugal onde a mescla de pessoas e culturas é por demais evidente, a seguinte afirmação: “A cor da minha pele era uma sentença antes de eu poder escrever a minha própria história”. A experiência vivida na primeira pessoa pelo cantor e ativista Dino d’Santiago, foi partilhada com o público no discurso proferido no Festival Tribeca (Lisboa, 20.10.2024).
E como o Dino, há centenas, milhares de pessoas por todo o mundo, que são discriminadas devido à cor da pele. São, à partida, rotuladas, estereotipadas, limitadas nas suas vivências, nos seus direitos.
Recue-se, no entanto, à génese da utilização da palavra que, desde o Renascimento e até ao século XIX, era empregue como referência a grupos de indivíduos com uma ascendência comum. Apenas em oitocentos surge a teoria do racismo científico, elaborada pelo anatomista francês Georges Cuvier, defendendo que a raça distinguia os seres humanos pela sua capacidade física e mental. Ainda no mesmo século Charles Darwin contradiz esta teoria, afirmando que a diversidade física é fruto da sua herança genética.
Já na década de 30 do século XX, Julian Huxley e A. C. Hadon defendem que a utilização do conceito de raça é cientificamente inadequada propondo, em sua substituição, a utilização de palavras como povo, etnia, grupo étnico.
Contudo, a ideia de raça vingou socialmente. E politicamente.
A história mostra-nos variadíssimos casos de discriminação baseados no conceito de raça. Aliás, há exemplos anteriores. Basta pensarmos no movimento esclavagista, fundamentado no pressuposto de que há seres humanos inferiores e superiores, dependendo da cor da sua pele e região de nascimento.
Porém, são os casos do século XX, tão próximos de nós, que nos fazem refletir sobre o enraizamento profundo das teorias racistas nas sociedades contemporâneas. Pensemos no caso de segregação racial dos Estados Unidos da América, onde as populações afroamericanas viviam completamente separadas da população caucasiana. Pensemos no caso de segregação racial da África do Sul, onde o sistema do apartheid vigorou durante décadas, no qual uma minoria caucasiana dominava a maioria da população, de origem africana. Pensemos ainda nas teorias arianas de Hitler e da Alemanha Nazi que, com base na ideia de uma raça superior, levou a cabo um dos maiores genocídios da história contra o povo judeu.
São histórias que deixam marcas, e essas marcas perduram até à atualidade.
Reflitamos, então, sobre qual o motivo lógico para se considerar que a cor da pele e a fisionomia nos torna superiores ou inferiores. A resposta é simples: não existe. É cientificamente incorreto e, se pensarmos bem, ridículo que alguém se julgue superior com base em pressupostos inexistentes.
Contudo, este é um problema global e latente nas sociedades mundiais, acicatado por políticos populistas, amplificado por problemas económicos e movimentos migratórios. Como em muitas outras situações, o grande motor de mudança reside na escolarização das populações. Ao analisar os factos, ao ensinar os porquês, ao olhar criticamente, a escola estará certamente a despertar a consciência das nossas crianças e, em movimento de cadeia, permitir aos adultos serem mais conscientes e que observem também com os olhos do coração.
E porque é na base que se implementa a mudança, pensarmos duas vezes antes de agir de forma discriminatória ou verbalizar a frase “não sou racista, mas…” poderá ser um bom início para a tão necessária mudança.
Urge termos uma sociedade mais consciente, mais solidária, mais ponderada, mais tolerante. Somente em conjunto, independentemente da cor da nossa pele, teremos a oportunidade de deixar um mundo melhor às próximas gerações.
[1] “raça”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2024, https://dicionario.priberam.org/ra%C3%A7a.
Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico