Na sexta-feira passada, a Assembleia da República chumbou, por 5 votos, o projecto de lei apresentado pelo PS, que propunha a co-adopção de crianças por casais do mesmo sexo, casados ou em união de facto. Esta situação merece algumas reflexões.
Em primeiro lugar, se as aprovações pudessem ir ao Constitucional (agora está em voga), esta seria uma votação inconstitucional, na medida em que não está a ser respeitado um princípio muito simples da nossa Constituição, o princípio da igualdade, previsto no artº 13º, nº 2.
Em segundo lugar, urge dizê-lo, esta é uma votação puramente egoísta, que não pensa minimamente no propósito da lei, trazer um maior bem-estar e felicidade a crianças que passam os seus primeiros anos de vida em orfanatos e instituições, desprovidas, tantas vezes, de um amor mais directo e pessoal, em detrimento de convicções pessoais e preconceituosas das pessoas que estão a regular o nosso Estado. Um dos mais importantes órgãos de soberania do nosso país, constituído por pessoas, não pode, de forma alguma, reger-se pelo seu próprio umbigo, esquecendo o que realmente é importante.
Isto leva a uma outra questão paralela, que é o facto de existir uma coisa chamada disciplina de voto que não faz sentido absolutamente nenhum numa sociedade e num parlamento dum país democrático. Que eu saiba, ainda todos temos cabeça para pensar e coração para sentir. Respeitando a decisão dos parceiros, cada um deveria ter liberdade de votar como bem entender e não ser moldado pela convicção de um líder e votar contra a sua própria vontade. Sim, as declarações de sentido de voto não servem para nada mesmo, já deveríamos largar certas burocracias, que são meras masturbações do exercício de poder.
Por fim e para que não se pense que vim só aqui bater no ceguinho de sempre, devo dizer que o verdadeiro responsável desta decisão (e de todas as outras) é o povo português. Sim, o cidadão português, aquele que insiste em manter os níveis de abstenção acima dos 30% e dos 40% (como foi nas últimas legislativas), ou até mesmo dos 50% (como foi nas últimas presidenciais), que, ao fazê-lo, desresponsabiliza-se totalmente do seu papel, enquanto cidadão, mascarando esse “estou-me a borrifar” com um “os políticos e os partidos são todos iguais”. Sim, o povo português que mais facilmente dá audiências a uma “Casa dos Segredos” do que participa num acto eleitoral e que com mais fervor discute futebol do que o rumo do seu país. Sim, o mesmo povo que, apesar de tudo o que foi descrito atrás, a seguir queixa-se do governo e da Assembleia que é o resultado da sua acção, mas também da sua não acção.
O resultado da votação da última sexta-feira é o reflexo de um povo que anda à bolina há muitas décadas e continua, porque dá trabalho, a insistir em não pegar no leme do seu país. É mais fácil criticar do que votar, é mais fácil ler as notícias dum jornal sensacionalista que explora à exaustão a vida alheia do que um programa eleitoral, as leis que o regem, ou um simples contrato. Não é a anarquia que vai resolver seja o que for, é o assumir individual da responsabilidade do caminho de um país. Não me venham dizer que os jovens não têm interesse pela política, porque se olharmos bem, esses jovens são o reflexo de uma sociedade e duns pais que, eles próprios, são os primeiros a imiscuir-se do seu dever, quer de cidadãos, quer, muitas vezes, de pais.
Não tenho dúvidas que este projecto de lei irá ser aprovado, seja naturalmente pela Assembleia, seja por imposição da União Europeia, mas, se a nação estivesse mais focada no seu próprio crescimento, respeitando os seus deveres e promovendo o respeito dos seus direitos, para além de não termos crises financeiras pesadas e afins, teríamos uma nação mais justa e menos egocêntrica e este assunto nem sequer se colocaria, seria natural.