O sentimento de quem sai das universidades portuguesas é o de ser atirado para um beco escuro. Os estágios profissionais costumam ser a luz ao fundo. Será esta a saída da precariedade? Por norma – não. Lição número 1: um estágio não é um emprego.
No primeiro dia, o sorriso é de orelha a orelha. Finalmente tu conseguiste! Após tantos “nãos”, tantas portas batidas, uma empresa deu-te uma oportunidade. Os dias passados diante do computador, a enviar centenas de currículos, fazem parte de um passado longínquo. Agora sim, já tens uma rotina. Já sentes que fazes parte da classe trabalhadora do teu país. Sentes-te útil.
A tua cabeça é bombardeada pelos conselhos daqueles que te são mais queridos. “Aplica-te, no fim ainda ficam contigo”, “é uma excelente oportunidade, aproveita”, “vai correr tudo bem, não te preocupes”. Estás inseguro. Afinal, foram anos a fio a seres bombardeado por teoria e mais teoria. A prática? Praticamente nula. Sentes que não sabes nada. Na verdade não sabes mesmo nada.
Fazes das tripas coração. Assim que te sentas na secretária, és encarado como mais um trabalhador. Imprescindível para colmatar a falta de pessoal. Ninguém te pergunta se tens dúvidas, ou se precisas de ajuda. Afinal sabes tudo, saíste da universidade, és um “doutor”. A tua carga de trabalho começa a ser avassaladora. Em menos de nada, estás a fazer tudo, inclusive tarefas que apenas competiam ao teu chefe. Lição número 2: só tens orientador no papel.
Tu és o teu moldador. O que aprendes é por conta própria. Colocas muitas vezes as mãos à cabeça, a desejar que as cinco da tarde cheguem e de preferência – depressa (isto se saíres a horas decentes). Sentes que tudo o que aprendeste na faculdade é quase impossível de aplicar no dia-a-dia, porque o teu chefe parou na Idade da Pedra. Simplesmente, não quer entender que o mundo mudou. Lição número 3: Os teus conhecimentos são irrelevantes para a empresa.
Os dias, as semanas, os meses, vão passando. A tua conta bancária permanece intacta. Questionaste e questionas o chefe. As desculpas acumulam-se, até que percebes. O dinheiro está ser utilizado para tudo, menos para te pagar a ti. O teu calvário começou. Lição número 4: O mais certo é não receberes o salário a tempo e horas.
Por fim, terminou. Foram longos meses. A pouca esperança que tinhas desvaneceu-se. Por incrível que pareça, tu até já não estás assim tão interessado. Foste mais um, descartável. A fila que se segue é longa. Arrumas as tuas coisas, escutas o discurso decorado – “ A culpa é da crise, se não fosse a crise contratava-te”. Fechas as portas, sem qualquer saudade. Lição número 5: Não te enganes, és apenas mais um estagiário.
Caro leitor, esta é a verdade crua e dura de centenas de estagiários, em Portugal. Não coloques tudo no mesmo saco. Lembra-te: toda a regra tem uma excepção.
Como sabes, os estágios profissionais têm sido um assunto recorrente nos últimos dois anos. A intenção do programa até é boa, porém, os resultados têm sido muito aquém das expectativas. O que se verifica no terreno são empresas a aproveitarem-se de jovens recém-formados. Sejamos honestos, salvo raras exepções, o objectivo não é contratar e sim ter mais um empregado a baixo custo, durante X meses (actualmente nove).
A raiz do problema são os apoios. Actualmente, com as novas alterações, a comparticipação do Estado passou a ser de 65% e não de 80% a 100%. Apenas as pequenas empresas (até dez trabalhadores) a candidatarem-se ao primeiro estágio e entidades sem fins lucrativos, têm direito à comparticipação de 80% do IEFP (Instituto de Emprego e Formação Profissional). As contribuições à Segurança Social passam também a ser asseguradas pelas próprias. Será que estas mudanças bastam para algo realmente mudar?
É certo que as empresas precisam de sentir mais responsabilização, caso contrário, continuarão a existir casos de exploração laboral. Como também é certo que o Governo deveria estar mais preocupado em assegurar uma entrada digna dos jovens no mercado de trabalho, do que transparecer para fora a imagem de querer, com os estágios profissionais, camuflar os reais números de desempregados no país. Estará agora finalmente o caminho a ser trilhado nesse sentido? As dúvidas persistem.
Deixo apenas o meu contributo relativamente a esta temática, a qual tantas vezes alerto alguns responsáveis mas que de nada vale. Deveria haver uma forma de controlo do iefp sobre os estágios. As empresas que não colocam consecutivamente estagiários é porque não precisam dos mesmos…
Na minha empresa já passaram mais de 30 estagiários. Apenas não ficaram 3 no quadro, 2 por falta de competências e 1 por não querer ficar. No entanto há pouco tempo não aceitaram a inscrição de um novo estagiário por termos diminuído o numero de trabalhadores (de 46 para 45) uma vez que alguém saiu por vontade própria….
Petição para regular os estágios e pôr fim ao abuso: http://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT75849