O que outrora foi visto como um conceito de compromisso familiar em construção, embora perfeitamente funcional, que permitia a convivência e coabitação familiares, respeitando um mínimo de intimidade entre os seus membros (e um exemplo para o mundo), é hoje motivo para recriminações. Num ápice a fraternidade que aparentava cimentar a união familiar deu lugar ao desdém com que se tratam enteados pouco queridos. O que era de todos porque se pertencia à mesma família passou a ser etiquetado com o nome do dono e com uma menção expressa de devolução em caso de empréstimo. O apoio que em tempos idos era incondicional e desinteressado agora encerra termos pejorativos e é pago como um contrato de prestação de serviços.
Hoje em dia a moeda que noutros tempos os uniu por comunhão de vontades é a mesma que sequestra a solidariedade e a convivência harmoniosa que nunca foram mais que efémeras numa família que poucas vezes se entendeu e em que cujos conflitos passados quase sempre culminaram em acções hostis. Os votos de solidariedade que se celebraram com o euro deram lugar aos dedos acusadores em riste e aos constantes avisos alarmantes para o quanto todos os familiares têm a perder com a derrocada da moeda única.
O euro foi encarado como um passo no sentido da integração plena dos seus membros com a constituição dum estado federal homogeneizante e único. A supressão das fronteiras físicas e o encurtamento de distâncias proporcionado pelo progresso tecnológico – evidente na rapidez e acessibilidade dos meios de transporte e na circulação de informação – facilitou o contacto entre os cidadãos dos diferentes membros da UE. Esse advento permitiu uma certa aculturação facilitando o tal processo de homogeneização. Agora, o que foi esquecido ou negligenciado pelos impulsionadores da criação da UE – e seus membros – foi que os seus povos são tudo menos semelhantes exibindo diferenças relevantes, postas a nu precisamente pela coabitação familiar debaixo do mesmo tecto, que além de incompatíveis são irreconciliáveis.
Não haverá melhor exemplo que a prescrição de rigor orçamental como panaceia para a gestão das contas públicas desmazelada dos familiares do Sul (vulgarmente conhecida por austeridade) principalmente numa conjuntura recessiva e com metas de curto prazo. Como num plano anterior também parece ser o caso da universalização de uma ampla e generosa rede de protecção social inspirada nos membros do Norte e replicada no Sul. A versatilidade e descontracção dos membros do sul da Europa tão apreciada (terá sido mais tolerada) pelos familiares do norte é agora proscrita e relegada apenas para o desfrute do Verão. Tem que ser “como os familiares do Norte querem e acabou!” No entanto a linha dura por detrás da austeridade aplicada aos familiares do sul dificilmente surtirá o efeito desejado na manutenção da coesão familiar pela natureza autoritária de que se reveste.
Foi precisamente esta génese sectária misturada com os rancores documentados na história de cada membro familiar que estão na base do falhanço do euro como elemento aglutinador. Já no campo económico…se verá!*
* Apesar do euro e da União Europeia servirem propósitos aglutinadores a tendência geopolítica no pós II Guerra Mundial (principalmente) na Europa é de fragmentação.