Fernando Pessoa, poeta, pensador é uma das figuras mais proeminentes da literatura portuguesa do século XX. Nascido em 1888 em Lisboa, foi exímio no conceito de heteronomia do seu próprio “eu”, na expressão da sua personalidade própria e visão do mundo. Quando pensamos em Pessoa, percebemos que viveu uma vida multifacetada de criações literárias muito próprias que colocam em causa a identidade, a alienação da vontade e a busca pelo significado da vida.
Comecei a gostar e a devorar a obra de Fernando Pessoa com 17 anos, altura da juventude de muitas dúvidas, incertezas no querer e no fazer, em que me deixo surpreender pelas divagações e sábias loucuras de um “eu” em transformação com emoção e sublime capacidade de criar personagens ou “eus” chamados Pessoanos em que a realidade confunde-se com ilusões exacerbadas.
Pessoa deixou um legado literário que transcende fronteiras geográficas e linguísticas, tornando-se num dos autores mais emblemáticos da literatura mundial. Foi notável pela capacidade de criar um universo poético único e rico, povoando num estilo muito próprio, quase hermético nos heterónimos criados, o que revelou ser um génio muito criativo para a época e até desafiar convenções literárias e ultrapassar os limites da expressão artística.
Considero-o um dos poetas que mais me marcou em termos literários, pela forma sublime de se insurgir perante os problemas e a capacidade de personificar diferentes “eus” de uma alma que diria “atormentada”.
É precisamente nesta corrente que assistimos a uma das obras mais determinantes da sua obra literária – o Livro do Desassossego, que se assume como o “filho de um caos sem remédio”. Esta obra é quase um mosaico de fragmentos de reflexões, de pensamentos que são retratados por heterónimos que mergulham num quase “desassossego” da alma humana.
Se por um lado, temos um Alberto Caeiro com uma poesia bucólica, centrada na conexão direta com a natureza, por outro temos Álvaro de Campos, o “Engenheiro revolucionário”
que reflete a inquietação e a modernidade do século XX, e, por último Ricardo Reis em que a sua poesia busca pelo equilíbrio, pela harmonia, com uma faceta estoiciana que prega a aceitação do destino e o desapego das paixões.
Para além dos heterónimos, Fernando Pessoa, expressou as suas próprias reflexões pessoais através de um ortónimo pessoal e o poema “Mensagem” é a expressão dessa mesma corrente, traduzindo-se numa ode à história e identidade nacional de Portugal.
Sempre considerei Pessoa, um autor polémico e provocador na exploração das suas dúvidas existenciais, resvalando na sombra de grandes instabilidades e de profunda introspeção e solidão.
Todavia, deixamo-nos envolver nas suas divagações pela múltipla criação dos heterónimos e, se alguns não apreciam e até detestam o seu estilo de escrita, de expressão, outros admiram e veneram aquele que deu à literatura portuguesa o seu mais alto expoente de criação e até de genialidade. Pessoa diria: “primeiro estranha-se, depois entranha-se”.
No meu caso, pouco conhecia da sua obra e quando comecei a ler, passei a interessar-me pelo seu legado literário, tornei-me uma fã incondicional e Fernando Pessoa passou a ser um dos meus autores favoritos entre outros.
Ler e analisar o “Livro do Desassossego é mergulhar numa escrita fragmentada de pensamentos dispersos, sem uma construção de uma narrativa habitual e para a qual é fundamental compreender o contexto histórico e biográfico de Fernando Pessoa.
Para além do Livro do Desassossego, Fernando Pessoa escreveu a única obra de poemas “Mensagem”, no qual se destaca o poema “Mar Português”, sobejamente conhecido entre os apreciadores da sua obra.
Não é fácil gostar de Fernando Pessoa, é mais fácil detestá-lo pela complexidade dos seus pensamentos atormentados, em que a alma se debate de várias formas e permanece sempre na penumbra da chamada dúvida.
Na verdade, não seremos todos como Fernando Pessoa, na sua divagação das incertezas que nos assaltam o nosso eu diariamente e que não sabemos como lidar com essas perceções de multiplicidade?
O poema “Não sei quantas almas tenho” resume a sua criação literária na sua dualidade de divagação existencial:
É do que nasce e não meu
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estouPor isso, alheio, vou lendo
In Fernando Pessoa em Novas Poesias Inéditas. Lisboa: Ática. 1973 (4ª ed. 1993). p. 48
Como páginas, meu ser
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer
Noto à margem do que li
O que julguei que senti
Releio e digo: “Fui eu ?”
Deus sabe, porque o escreveu
Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Antigo Acordo Ortográfico