Deixemo-nos de floreados: o novo governo grego trouxe uma brisa de ar fresco a uma Europa deprimida e sombria, de governos amedrontados, reverentes e cabisbaixos. Qualquer dúvida sobre isso foi dissipada pela reacção daqueles que, entre nós, desempenham o papel de talibãs da austeridade. Pela primeira vez, um governo de um país da União Europeia, nestes anos de chumbo, disse sem meias tintas o que é cada vez mais evidente: a austeridade imposta aos povos dos países do Sul da Europa lançou milhões de cidadãos na miséria, no desemprego e no sofrimento inutilmente. A paranoia desta receita é tal que, perante os desastrosos resultados obtidos (os défices orçamentais não baixam, as dívidas externas aumentam, o crescimento económico é uma ilusão, não há criação de emprego, a deflação ameaça), sem o menor assomo de honestidade política e intelectual, insistem em mais austeridade sobre austeridade. Era o que a “troika” ia fazer a Atenas neste mês de Fevereiro, caso não tivesse havido eleições e mudado o governo: aplicar mais um “programa” de austeridade, lançar mais milhares de famílias na pobreza, a troco de emprestar mais dinheiro para arder nesta fogueira.
A atitude do novo governo grego, ao questionar abertamente os resultados desta tenebrosa política de austeridade, como solução para a saída da crise europeia, veio tornar ainda mais claro o que já era notório: este confronto não é entre as propostas do novo governo grego e a União Europeia. O confronto é formalmente entre a Grécia e a Alemanha, mas em substância trata-se de um confronto mais lato: entre os povos europeus e a Alemanha. Isto ficou completamente demonstrado nas declarações finais dos encontros entre o ministro das Finanças grego, Yanis Varoufakis, e os ministros das Finanças de Itália, França e Reino Unido, por um lado, e do encontro com o ministro das Finanças alemão, por outro. Este último encontro ilustrou o braço-de-ferro entre as duas soluções para a saída da crise: a que o governo grego defende e a imposta pela Alemanha, o que mostra bem o estado em que se encontra esta figura de ficção que dá pelo nome de “União Europeia”. A Europa esvaziou-se e está dependente das ambições e dos interesses da Alemanha.
Neste confronto entre David e Golias, é evidente que o desejo do governo alemão e dos seus mais fanáticos seguidores era correr com a Grécia para fora do Euro e da União Europeia. Com esta exclusão livravam-se de um problema e “vacinavam” os outros povos europeus que espreitam a oportunidade eleitoral para pôr em causa esta Europa alemã, sobretudo, espanhóis, franceses e italianos. Porém, ao mesmo tempo, a Alemanha teme as consequências, não só a nível financeiro, mas, principalmente, a nível político. A saída de um país do Euro e da União Europeia, nem sequer prevista nos Tratados, pode-se transformar numa catástrofe política imprevisível, em que não é de excluir o efeito dominó. Contando que Tsipras não vai fazer o triste papel de Hollande (que de paladino contra a austeridade, em campanha eleitoral, passou rapidamente, uma vez eleito, a beber o veneno de Berlim), resta à Alemanha começar a ceder e a engolir alguns sapos, se não quiser incendiar a Europa pela terceira em vez nos últimos cem anos.
Para o desfecho deste confronto vai ser muito importante, senão mesmo decisivo, o papel que os socialistas europeus, nomeadamente franceses e italianos (mas também espanhóis e portugueses), querem desempenhar. A transferência de votos dos socialistas gregos do PASOK para o Siryza (bem como as intenções de transferência de votos do PSOE para o Podemos, em Espanha) são sinais inequívocos de que, na situação presente, o lastro de descontentamento não se deixa amarrar a capitulações, ou a meias-tintas. Quer queiram, quer não a Grécia move-se.