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E Deram-lhe Uma Espingarda…

E Deram-lhe Uma Espingarda… talvez se cifre numa das traduções mais infelizes para título de um filme, apesar de relativamente próxima de uma tradução à letra: Johnny Got His Gun quererá talvez dizer, no ambiente da história, algo aparentado com Conseguiu o que Queria. E Deram-lhe Uma Espingarda… é só estúpido.

Mais um herdeiro das conversas telegráficas com o Javier, onde tentávamos meter tantos livros e filmes quanto conseguíssemos entre o fim da aula de espanhol e o regresso ao trabalho, o filme foi-me apresentado na sequência de uma observação minha acerca da impotência de um incapacitado, e da dificuldade que deveria ser reaprender a viver uma nova vida sem mexer as pernas ou sem ver. Foi então que o Javier me falou deste filme, e de como o personagem principal, Joe Bonham, faz o “pleno”: na Primeira Guerra Mundial, o soldado Bonham é ferido num ataque de artilharia, vendo-se preso a uma cama de hospital sem braços, sem pernas, desfigurado, cego, surdo, sem olfacto nem fala. Um tronco com um coração a palpitar agarrado a um cérebro intacto foi tudo o que ficou de Joe.

O que resta quando nos vemos impossibilitados de comunicar pelos meios que aprendemos, mesmo que o que pensamos e sentimos ecoe nas sombras em que ainda nos reconhecemos?

Mais do que um manifesto anti-guerra, o filme, escrito e realizado em 1971 por Dalton Trumbo (que viu parte da sua carreira ensombrada ao ser colocado na Lista Negra), traça-nos um retrato do horror perante a impotência ao deixarmos de ser completos na sua formulação mais extrema. Um ser humano sem quatro dos cinco sentidos.

Ouvimos o que pensa o pobre Bonham, o que ele sente em função do que vai acontecendo à sua volta, no quarto de hospital: foi essa a forma que Trumbo encontrou para nos contar a história. O abismo que o leva a questionar todos os propósitos com que nos cruzamos, de que nos convencemos ou que procuramos. Quanta força para que tudo aconteça num sonho pois é mau demais que assim não seja.

Uma grande história, que nos arranca ao conforto que por vezes julgamos garantido, para nos mostrar uma realidade tenebrosa, distante, e devido a essa inverosimilhança, difícil de aceitar como parte da “nossa” realidade.

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