Dizia Antonia Darder, académica e artista norte-americana, numa entrevista ao “Público”, em 2016, que “a educação tem que ser para todos e isso não se consegue garantir com ensino privado”, a propósito de uma conferência sobre o futuro da educação pública. A activista defende que só o ensino público pode ser absolutamente inclusivo. No entanto, aponta um problema grave da actualidade: os estudantes não estão felizes nas escolas, pois consideram irrelevante a educação que estão a receber e não encontram um lugar com que se identifiquem. E vai mais longe: “Não perguntamos se as crianças estão felizes na escola, se estão entusiasmadas a aprender. A sua criatividade está a ser estimulada? Estão a sentir que a escola é um lugar onde podem sentir felicidade e amor?”
Tendo em conta a realidade portuguesa, na qual coexistem escolas públicas, privadas independentes e privadas dependentes do Estado, podemos ir ainda mais longe: onde é que as crianças são mais felizes? No ensino público ou no privado? Um ambiente sócio-económico favorável é sinónimo de sucesso escolar? Os resultados dos exames reflectem a felicidade dos estudantes? Os cortes no financiamento nas escolas privadas traduz-se na melhoria do ensino público? Deve o ensino manter-se público ou deverá ser privatizado?
Para compreendermos uma parte da realidade da educação e responder a algumas destas questões é necessário analisar o ranking das escolas, ou melhor, o ranking das notas dos alunos nos exames nacionais.
Os dados mais recentes mostram-nos que, invariavelmente, as escolas privadas ocupam os lugares cimeiros, sendo que a primeira escola pública – Escola Secundária Infanta D. Maria – surge no 33º lugar, no que diz respeito aos exames do secundário. O mesmo acontece com os resultados do 9º ano, no qual a escola pública – Escola Artística do Conservatório Calouste Gulbenkian – figura no 22º lugar, atrás dos colégios privados.
Contudo, a par destes dados, o Ministério da Educação divulgou, pela primeira vez no ano passado, o ranking de sucesso, que mede a influência que a escola tem no êxito do aluno e compara alunos com o mesmo perfil sócio-económico e percurso académico. Neste ranking, o cenário é bem distinto: no top 30, apenas 9 escolas são privadas, sendo as restantes públicas e que, a título de exemplo, a escola que no ranking clássico aparecia em primeiro lugar da tabela, neste ranking surge em 25º lugar.
Poderemos, então, perceber que os alunos das privadas, que obtiveram melhores notas nos exames, não tiveram propriamente um percurso isento de retenções. Por outro lado, as escolas públicas conseguiram fazer com que os alunos melhorassem as notas ao longo dos anos analisados, criando uma taxa de sucesso superior à das escolas privadas.
Posto isto, é impossível defendermos, de forma acérrima e com base nestes rankings que as escolas públicas são melhores que as privadas e vice-versa. Aliás, talvez isso seja o que menos importa, visto que a realidade do ensino, o contexto sócio-económico do estudante, as políticas do governo, os cortes no financiamento, os métodos de ensino, as infra-estruturas e condições têm um impacto na vida dos alunos, seja no sector público ou no privado.
É certo que existem visões antagónicas relativamente a este tema: uns defendem a escola privada – não necessariamente toda a privatização do ensino –, pois entendem que os pais têm o direito de decidir onde vão estudar os filhos e só com a existência do ensino privado podem obter este poder de escolha; enquanto outros invocavam a defesa de um princípio democrático, de que cabe ao Estado assegurar que todos os portugueses devem ter acesso a uma rede pública de estabelecimentos de ensino, pois só desta forma seria possível a inclusão de todos os cidadãos e de uma liberdade de ideologias e métodos de ensino.
A verdade é que, apesar dos cortes no financiamento às escolas privadas a que assistimos em 2016, o Estado não foi capaz de melhorar substancialmente as condições das escolas públicas. Nesse ano, inúmeras manifestações e greves tomaram o tempo de antena, mas a realidade é que estes cortes não se traduziram necessariamente numa aplicação do dinheiro poupado para uma substancial melhoria do ensino público.
No entanto, sabemos que a privatização do ensino iria aumentar, ainda mais, as desigualdades entre os vários estratos da sociedade. A educação seria vista como um produto e os estudantes como clientes. E seria o lucro o principal objectivo? Ou iria a aprendizagem ocupar o lugar principal? Ficaria de fora a maioria da população, colocando em causa o princípio democrático do nosso país, que concede, a todos os cidadãos, o direito à educação. E já vimos que a privatização do ensino não é sinónimo de sucesso escolar, nem da felicidade das crianças e jovens.
Por outro lado, na existência de um ensino 100% público, o Estado teria que assegurar a sua excelência: todas as escolas teriam as mesmas condições, o mesmo nível de formação dos professores, os mesmos métodos, a mesma qualidade de norte a sul, do litoral ao interior do país. Porém já entendemos que esta não é uma realidade possível.
Assim, acredito que possa existir um equilíbrio e que ambas as vertentes possam coexistir: escola privadas (dependentes ou independentes do Estado) e escolas públicas. Há espaço para todos e ambas trazem diferentes perspectivas, métodos e resultados, mas, sobretudo, ambas poderão trazer a diversidade, para que todos sejam incluídos no sistema de ensino. É, sim, necessário, pelas palavras de Antonia Darder, criarmos “políticas e práticas que possam garantir às nossas crianças que a educação está a prepará-las para um mundo muito diverso e complexo”. É também necessário implementarmos práticas que nos permitam impulsionar a criatividade dos estudantes e não camuflá-la. É necessário que os alunos estejam felizes, independentemente da natureza do estabelecimento de ensino, e encontrem o seu lugar para aprender, questionar e colocar em prática tudo o que a educação lhes pode oferecer.