Destilaria

ó·di·o
(latim odium, –
ii, ódio, aversão, ressentimento, má vontade, animosidade, irritação,
desagrado, insolência)

nome masculino
1. Sentimento de intensa animosidade relativamente a algo ou alguém, geralmente motivado por antipatia, ofensa, ressentimento ou raiva.
= AVERSÃO, REPULSA ≠ AMIZADE, AMOR
2. Objecto desse sentimento.

Em miúda a minha avó dizia – me:

“Nunca se diz que se odeia uma pessoa! O ódio é um sentimento muito feio, e forte! Quanto muito não se damos com esta ou aquela pessoa, os nossos feitios não combinam, mas odiar não filha, não digas isso!”

Hoje dou-lhe toda a razão!

A partilha de informação, numa qualquer rede social, abre as portas ao debate, à crítica, à discussão, a uma rede de opiniões mais ou menos a favor do tema ou, pelo contrário, completamente antagónicas e, o facto de o espaço ser público, potência esta troca de ideias.

Contudo, abrir uma qualquer caixa de comentários de uma notícia ou de uma opinião é quase como abrir uma tampa de esgoto e chafurdar na m… lama!!

O facto de a sociedade actual e o nosso contexto permitir (e ainda bem), que qualquer opinião possa ser dada livremente e sem medo de represálias, ao mesmo tempo parece conferir ao mundo a arma de arremesso que faltava! A palavra! E se a palavra fere! Qualquer tema, qualquer assunto mais ou menos polémico abre o debate e, se há opiniões fundamentadas e construtivas também há maldade, malvadez e muito ódio destilado!!

Já todos passámos pela experiência: determinada figura pública não nos “enche as medidas”. Não gostamos do tom de voz ou da roupa que veste, não achamos que tenha “jeito” para apresentar aquele programa de televisão ou, simplesmente, não “vamos com a cara dele (a) e depois?! Depois, percebemos que a pessoa tem uma página de Facebook e até pomos lá um pedido para seguir, em jeito de stalker, não porque a admiramos mas sim para criticar o que faz, o que diz ou o que veste e, para cada publicação, temos a nossa opinião a dar: uma opinião de escárnio, uma opinião baseada em “gosto ou não gosto de ti” e assim, abrimos a caixinha de pandora! Cai outro comentário maldoso, e outro, e mais um, e vão 10, vão 100, vão 1000…

O ódio infundado que se destila nas redes sociais, o quão fácil é destratar e insultar alguém atrás da segurança de um ecrã transcende qualquer tipo de entendimento, mas como é que alguém convive tão mal com o outro? Como se odeia ao ponto de chegar à ofensa uma pessoa que nem se conhece pessoalmente?

Recentemente passei por duas experiências que quero partilhar: se por um lado os crimes violentos, principalmente com crianças chocam qualquer pessoa, por outro lado são das “melhores notícias “ a ser exploradas na comunicação social. São o mote para mil e duas reportagens: sobre o criminoso, sobre a vítima, sobre os familiares, sobre pormenores do crime, da acusação, da sentença, da aplicação da justiça ou da falta dela, no extremo sobre o animal de estimação do criminoso que era arauto da desgraça. Cai na tentação de comentar uma dessas notícias, fui sincera, sincera demais! Dei por mim a escrever avidamente o que pensava, o que sentia, cruamente como o sentimento que, naquela altura e sobre aquele tema me contorcia as entranhas…desabafei publicamente numa das tais caixas que cheiram mal no meio de centenas de comentários, de desejos de justiça cega e pública e sabem o que ganhei com isso? Nada! Pelo contrário, passei uma imagem irreal, uma imagem que não traduz o que sou e, no limite me afastou de alguém.

Meses depois, numa aparentemente inocente brincadeira num editor de “memes” criei uma imagem cómica com uma figura pública. Uma imagem inocente, uma simples brincadeira.

Carreguei no partilhar e, 5 minutos depois estava a apagar a dita e qualquer vestígio da mesma:  estava a ser usada para tudo menos uma “piada fácil e inocente”.

Nas “redes”, é tão fácil extrapolar, é tão fácil fazer a tempestade num copo de água, tão fácil ofender, magoar etc. No caso das figuras públicas, podemos achar que “no meio de tantos fãs, não vão ligar a um comentário menos bom” mas lembremo-nos que, atrás do glamour são pessoas que ali estão.

Claro que devemos ter opinião e manifestar a mesma, porque lutámos tanto para isso, mas ter opinião, e partilhar essa opinião não pode, nem deve ser uma simples arma de arremesso com a única finalidade de magoar o outro, simplesmente porque não se gosta dele, porque o “odiamos”.

Destilar é separar: usar um alambique e separar duas substâncias. Tentemos destilar pois: separar o ódio do amor, e usar o melhor dos dois.

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