Cabe-nos a nós!

Estamos a meio de Julho, está calor, os dias são maiores e, realmente, uma imperial gelada sabe-nos pela vida. Quem vê as imagens que nos chegam de vários países da Europa, Estados Unidos, Ásia, e até mesmo de Portugal, com esplanadas cheias, praias a abarrotar e centros comerciais ao magote, talvez esteja longe de imaginar que os números de infetados pela Covid-19, nos últimos dias, aumentaram para valores há meses não vistos. É a consequência do novo mantra repetido por inúmeros governos “temos que aprender a viver com o vírus”.

É uma mudança de paradigma que se intensificou com a vacinação e com o alívio das medidas de contenção: voltar ao business as usual, mudar a forma de perspectivar a pandemia e focar na ideia de que a vacina previne a doença grave, garantindo assim a sustentabilidade dos sistemas de saúde, mas será isto suficiente? Na perspectiva a longo prazo, fará sentido?

Concordo em absoluto com a necessidade urgente de um regresso à normalidade. Precisamos de trabalhar e produzir, do regresso à vida social para existirmos em pleno. É fundamental sentirmo-nos seguros e confortáveis. Mas por outro lado, acredito na ciência e na medicina. Acredito que o parecer da comunidade cientifica deva pesar mais nas decisões do que o de governos à beira das urnas, e se o caso das vacinas nos ensinou alguma coisa, é que “à ciência o que é da ciência”. 

Inglaterra viveu recentemente o seu “Dia da Liberdade” em que foram levantadas praticamente todas as medidas de contenção impostas; a Alemanha começou a permitir que os vacinados possam viajar sem necessidade de quarentena; em Itália as máscaras praticamente deixaram de ser obrigatórias e em Portugal estamos a avaliar a reabertura dos espaços noturnos de lazer, nos próximos dias. Pessoalmente, quero tudo isso para ontem, mas estas medidas avançam enquanto a comunidade científica alerta para a sua prematuridade, uma vez que uma importante percentagem da população mundial ainda não está imunizada, fator que provoca a vulnerabilidade geral e potencia o surgimento de novas variantes. 

Se há coisa que a COVID-19 nos mostrou é que todos estamos interligados e que as (más!) decisões de uns, impactam significativamente a vida de outros. Será correto dizer aos biliões de recuperados da COVID-19 que a infeção é um mal menor, quando não temos estudos nem tempo suficiente para avaliar a longo prazo os impactos da doença, física e emocionalmente? Será justo dizer a todas as crianças que perderam pais e avós, que temos que nos habituar a viver com o vírus, seja como for? E a todos aqueles que perderam negócios, rendimentos e viram a sua vida paralisada pela pandemia? Varremos as consequências futuras para longe, apostamos num verão de qualidade e hipotecamos o próximo ano? Década?!

Mundialmente, não dispomos de vacinados em número suficiente que nos permita começar a aliviar as medidas de contenção, como se tem verificado nos últimos dias, segundo indicado pela OMS. Em Portugal, temos um programa de vacinação a decorrer, que sentiu algumas limitações na última semana com a impossibilidade de agendamento pela escassez de vacinas, onde a maioria dos jovens adultos e faixas etárias mais ativas ainda não estão totalmente imunizados. A par disso e seguindo o já referido mantra “temos que aprender a viver com o vírus”, vemos uma enorme irresponsabilidade na gestão das cadeias de transmissão, um total desconhecimento dos períodos de incubação, em que muitos, contra a indicação do SNS, perpetuam a ideia de que um teste negativo é sinónimo de dispensa de isolamento. Com a liberdade vem a responsabilidade,  mas será que a há em quantidade suficiente para as consequências futuras?

Não acredito em novos confinamentos, pelos menos não como os que já vivemos, no entanto, acredito que as ações de hoje vão impactar profundamente a vida futura da nossa sociedade. Receio que se os governos seguirem um posicionamento irresponsável face ao verdadeiro impacto da doença nas pessoas e na sociedade, perpetuemos esta situação por um período de tempo ainda mais longo. Acredito numa abordagem conservadora e numa abertura progressiva, que contemple a penalização de quem não cumpre.

As crises acentuam as diferenças sociais, entre pobres e ricos, entre desenvolvidos e sub-desenvolvidos. Na Europa fazem-se manifestações anti-vacinação, no Brasil sai-se à rua a exigir vacinas. Problemas de primeiro mundo? Ou falta de noção num extremo perigoso? O que fizermos hoje vai marcar o nosso lugar na história. Gostaria que ficássemos marcados no tempo, como a sociedade que evoluiu, que pensou globalmente e que promoveu o equilíbrio e a sustentabilidade de todos. Mas deixar essa marca começa em cada um de nós, não cabe a governos nem a ministros. Cabe-nos a nós fazer o que é certo: sermos vacinados, cumprir distanciamento, ser testados e ficar em isolamento, se necessário. Escrevo este artigo no dia em que completo seis meses de alta médica após ter testado positivo à COVID. Foram dias assustadores e meses de incerteza, que amanhã ganham uma ponta de esperança – vou ser vacinada!

Mas enquanto essa ponta de esperança não está disponível a todos… cabe-nos a nós!

Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico
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