A reestruturação do gáudio popular

O primeiro de Novembro está mesmo à porta mas será, pela última vez, sinónimo de descanso, pelo menos durante os próximos cinco anos. Assinado em Janeiro, o acordo da Concertação Social previu e o executivo de Passos Coelho cumprirá: para o ano serão menos quatro os feriados instituídos que, juntamente com a redução de três dias de férias, somarão sete dias de trabalho a mais por ano.

Numa tentativa de aumentar a produtividade, recorreu-se à suspensão (por enquanto temporária) de dois feriados religiosos e de outros dois civis. As celebrações religiosas serão reduzidas, sendo definitiva a extinção comemorativa nos dias de Todos os Santos e Corpo de Deus, feriado móvel celebrado 60 dias depois da comemoração da Páscoa. Pelo lado dos feriados civis, contabiliza-se o 5 de Outubro e o 1º de Dezembro, respectivamente, as celebrações da Implantação da República Portuguesa e a Restauração da Independência.

Álvaro Santos Pereira, ministro da economia, defende que a abolição destes quatro feriados contribuirá de forma positiva para o crescimento económico do país, gerando mais riqueza. Esta não é, contudo, uma perspectiva partilhada nem pela oposição política, nem pelos parceiros sociais, que consideram esta uma medida de retrocesso nas relações laborais.

No que diz respeito a factos concreta, e economicamente científicos, ficou demonstrado num estudo de Luís Bento, investigador do Centro de Pesquisas e Estudos Sociais da Universidade Lusófona e professor de recursos humanos na Universidade Autónoma de Lisboa, que o impacto de um feriado no PIB ronda um prejuízo de 37 milhões de euros.

Confrontado com os números resultantes de uma interrupção produtiva, Luís Bento defende que “seria muito mais adequado olhar para este problema na óptica da abolição das tolerâncias de ponto, da planificação das pontes”. Para o investigador, a medida é economicamente bem-intencionada, mas dificilmente impactará positivamente a economia lusa. Pelo lado dos trabalhadores, a contestação tem sido mais incendiária no que diz particular respeito à escolha dos feriados civis, por oposição aqueles religiosos negociados com o Vaticano.

Recorde-se que o passado dia 5 de Outubro ficou este ano marcado por uma série de incidentes, peripécias e falhas protocolares. O Palácio da Galé foi invadido por duas mulheres em protesto enquanto decorriam as comemorações, pela primeira vez executadas à porta fechada e sem a presença do Primeiro-Ministro. O episódio mais insólito foi ainda o hastear da bandeira de pernas para o ar. Fica a dúvida se terá sido apenas um erro inadvertido ou uma mensagem de indignação; para o corpo militar, a bandeira hasteada ao contrário é sinónimo de local invadido pelo inimigo.

À margem do que poderá ser mais uma centelha para a já ardente contestação social, fica a certeza de que a abolição dos dois feriados civis escolhidos pelo executivo não terá apenas consequências económicas. Para o historiador Luís Reis Torgal, que apelidou o processo de suspensão de “trapalhada”, “surgiu uma justificação simplesmente económica para reduzir os feriados oficiais, resultando na extinção de dois feriados cívicos que simbolizam valores essenciais como o da República e o da independência de Portugal”.

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