D. Manuel Martins

A religião sempre dominou a mentalidade do Homem. A ânsia de entender o desconhecido ou a procura de conforto levaram-no a um patamar onde não se encontrava explicação racional. Do estranho passou a vulgar e do simples passou a complexo. Os rituais iniciais tornaram-se complexos e cada povo tentava criar uma origem, um passado comum.

De politeísta, adorador de vários deuses, o homem encontra o caminho mais satisfatório e torna-se monoteísta, um só Deus que tanto tem de castigador como de recompensador. Um Deus a quem são atribuídas as causas e as consequências, uma entidade que regulamenta as vidas de quem o crê. São milhões e a religião ganhou uma outra dimensão.

Das várias religiões, o Catolicismo, ganhou destaque. A igreja organiza-se e cria as suas hierarquias. O chefe da igreja católica é o Papa que tem autonomia nas suas decisões. Pode nomear os seus ajudantes e entre eles estão os bispos, pessoas com responsabilidade acrescida nos locais onde são destacados. Uma espécie de embaixadores da fé.

Manuel Martins nasceu no concelho de Matosinhos e formou-se nos seminários do Porto. Conclui o curso de Teologia e licencia-se em Direito Canónico em Roma. Foi professor e vice-reitor do Seminário Maior do Porto. A política levou-o a sofrer consequências e foi afastado do cargo. Serviu-lhe para arregaçar as mangas e fazer um trabalho louvável em prol de todos.

Em 16 de Julho de 1975, em pleno Verão quente, é nomeado bispo de Setúbal, o primeiro. Vai encontrar uma cidade em clima de instabilidade e de uma enorme carência. Entrosa-se com as comunidades locais tornando-se um filho da terra até 24 de Abril de 1998. O seu enorme coração, muito bem misturado com o trabalho desenvolvido, permitiu que inúmeras famílias recuperassem a dignidade e a sua essência original.

O papel da igreja, originalmente, mostrava-se através do auxílio aos mais necessitados, ou seja, de cariz social e humanitário, mote que este ser humano nunca esqueceu e teve sempre em mente. Os marginalizados também não foram esquecidos e a sua porta estava sempre aberta para um dedo de conversa. Algumas autarquias deram-lhe o título de cidadão honorário, condecorando-o com várias medalhas de mérito. O seu papel foi tão importante que uma das escolas secundárias lhe herdou o nome.

Num reduto vincadamente político e assumidamente comunista, a sua aceitação foi complicada. Entre pedras lançadas às portas das igrejas a linguagem menos própria, conseguir acalmar os ânimos e perceber que esses comportamentos eram sinónimo de revolta, de tristeza e de miséria. Rapidamente encontrou um caminho sinuoso e lamacento que se transformou num modo e objectivo de vida. Em pouco tempo, conquistou Gregos e Troianos, situação que parecia quase impossível.

Homem de palavras certeiras e sem papas na língua, dizia as verdades sem eufemismos nem paninhos quentes. Conseguiu dividir a classe em padres que acreditam e fazem e padres que são meros funcionários. É no seio do povo que se sente bem e todas as vertentes políticas lhe reconhecem o valor. Chegou a ser apelidado de Padre Vermelho pelo seu papel interventivo e assertivo.

Através dele, chegavam as denúncias de irregularidades e das enormes desigualdades sociais que eram presenciadas em seu redor. Durante um período de crise económica gravíssima, não teve problema algum em falar das arbitrariedades cometidas e da situação precária em que a classe trabalhadora se encontrava. Algumas situações mais complicadas terão sido resolvidas do seu próprio bolso, tal a urgência.

Este homem soube aliar a doutrina à realidade concreta e do dizer passou ao fazer com bastante desenvoltura e mestria. O seu papel foi tão importante que existe um busto seu em Leça do Balio e uma estátua em Almada. Em Gaia, um bairro, recuperado pela autarquia local, foi baptizado com o seu nome. Uma pessoa com um carácter destes não passa despercebida e foi condecorado com a Grã-Cruz da Ordem de Cristo e com o Galardão dos Direitos Humanos.

Deixou o mundo terreno no dia 24 de Setembro às 14h05m, no seio de familiares. Homem sempre crente na essência humana e no seu lado mais positivo, será para sempre lembrado como um revolucionário, um guerreiro que a fé iluminou e ensinou a lutar mostrando o caminho da verdade. Esteja onde estiver a maior recordação, além do seu extraordinário trabalho, será a sua postura pois conseguiu reunir todos os quadrantes da sociedade numa atitude de respeito e igualdade.

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