Correr contra e com a doença

O cancro da mama é uma patologia que afecta ambos os sexos sendo a maior incidência nas mulheres. Todos os anos são registados 4500 novos casos e 1100 são mortais, devido a vários factores. É uma doença física, porque afecta um órgão feminino simbólico, o que amamenta o seu descendente e que tem um grande potencial erótico, mas tem, igualmente um lado psíquico, uma vez que coloca em questão a postura feminina, não só o seu papel enquanto ser mas também a sua função biológica.

Esta doença incide em mulheres que são portadoras da variante BRCA 1 e 2, que é uma mutação da sequência genética, no braço longo do cromossoma 17, na posição 17q21, sendo uma proteína que possui 1863 aminoácidos. É 5 vezes superior ao cancro dos ovários. Esta ajuda na reparação do ADN e evita que o DNA seja danificado regulando, assim, a transcrição. É um supressor de tumores, regulador do ciclo celular e que previne a proliferação descontrolada. Mas falha. As células invadem os tecidos circundantes e disseminam-se originando os gânglios que se situam nos vasos linfáticos. Estes são condutores de linfa e funcionam como uma barreira e um alerta para os invasores do organismo. Os gânglios, neste caso específico, situam-se no pescoço, nas axilas e na parede torácica e, se a doença não for tratada a tempo, propagam-se aos ossos, ao fígado, aos pulmões e ao cérebro, a chamada metastização.

Este carcinoma pode ser ductal ou lobular e está relacionado com a produção hormonal, os estrogénios RE e a progesterona RP. A taxa de incidência é 8 vezes superior nas mulheres com mais de 60 anos e cerca de 25% em mulheres de 50 anos. As causas são várias e os factores estão relacionados com excesso de peso, gordura localizada, terapia hormonal de substituição, menarca precoce, idade tardia da primeira gravidez, menopausa tardia e ausência de procriação. Os sintomas são nódulo ou espessamento do peito, alteração da morfologia da mama, dor, alterações do mamilo, sensibilidade, secreção, retracção do mamilo e inchaço ou vermelhidão.

Os exames necessários para a elaboração do diagnóstico são a mamografia, a ecografia mamária, a ressonância magnética e a biópsia mamária, que é a retirada do tecido para estudo, exame só realizado aquando da confirmação da doença. A classificação tem vários parâmetros, o 0 é não invasivo, o I é inferior a 2 com e só visível ao microscópio, o II, superior a 2 cm, mas também microscópico, o III superior a 5 cm e evidenciado através dos gânglios e o IV, onde já existem metástases, ou seja, espalhado.

O passo seguinte é decidido conforme o estado do tumor. Inicialmente a quimioterapia facilita a regressão do mesmo e poderá evitar a cirurgia. Mas existem casos em que tal não é possível e a cirurgia é urgente e imediata. Esta também tem duas opções, a conservativa, removendo somente a parte afectada e a mastectomia, que é a retirada total da mama e dos gânglios a ela associados. Neste caso é necessário fazer o estudo do chamado gânglio sentinela, através de uma tomografia de emissão de positrões, para localizar o gânglio pioneiro, o mais próximo e, posteriormente, efectuar a anatomia patológica. Em qualquer dos casos seguem-se os tratamentos de radioterapia. Qualquer destes tratamentos apresenta efeitos secundários como a fadiga, a queda de cabelo, unhas quebradas, dentes danificados, náuseas, vómitos, infertilidade, falta de apetite, queimaduras de pele, hipersensibilidade e dores no corpo, entre outros. A cirurgia também manifesta alterações como aumento de sensibilidade, desequilíbrio e edema linfático. Segue-se, normalmente, a terapia hormonal que, além dos efeitos já mencionados, ainda poderá levar a afrontamentos e dores de cabeça.

No dia 15 de Maio realizou-se a Corrida da Mulher, em Santos e com destino a Belém. É uma prova desportiva exclusivamente feminina e que, este ano atingiu as 15000 participantes. Apesar de ser um alerta para o flagelo do cancro da mama, não deixa de ser uma festa, onde o convívio e a boa disposição imperam. Há música para motivar, mas, acima de tudo, o que existe é a esperança de que a doença deixe de ser mortífera, que todas as mulheres tenham acesso aos rastreios e aos respectivos tratamentos e que seja, num futuro próximo, vista como uma patologia que deixou de ser mortal. Ao receber o diagnóstico nem todas as mulheres conseguem ter a capacidade de “encaixe”, da aceitação. É uma palavra dura, que ressoa no ouvido e que implica um longo caminho, que nunca termina. São 5 anos de tratamento contínuo, de consultas, exames e vida suspensa que todas desejam que termine num final que as satisfaça. Nada voltará a ser como dantes, o medo é uma constante, mas o alerta está sempre ligado. Vive-se de modo diferente, talvez mais consciente.

O que faz correr estas mulheres? O que as motiva? Josefina, na casa dos 60, veio de Palma e é a 4ª vez, “porque a minha filha teve um problema no peito” e quer mostrar que está solidária com todas estas mulheres, Lucília, um pouco mais nova, de Alcácer do Sal, vem todos os anos “porque é uma doença que as pessoas não ligam”. Estão juntas e dançam como se fossem adolescentes. Natércia, na casa dos 30, de Lisboa, vem caminhar com a sobrinha”, porque temos de estar atentas para a realidade”, Luísa de 60 anos, vem desde o início “porque na escola onde trabalhei vi muitas professoras e colegas a sofrerem da doença”, Carmo, 40 anos, vem pela primeira vez e “está mais atenta desde que soube de um caso muito próximo”. Porém, são tantas e todas tão motivadas que é impossível ficar indiferente a esta alegria, a esta boa vontade e, sobretudo, a esta solidariedade rosa que as une e tranquiliza. Algumas vêm em grupos, outras sozinhas e outras ainda empurram carrinhos de bebé. Não há limites, não existem fronteiras para algo tão malévolo e tão mortal como esta doença. São 83% de taxa de sucesso mas os 7% ainda são reais e, por isso, é necessário que as mulheres possam alertar, chamar a atenção e lutar com todas as suas forças e que as guerreiras, as lutadoras consigam ultrapassar as etapas finais e recuperem aquela esperança de que amanhã o sol voltará a nascer e que o seu testemunho foi útil para as outras.

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