Belmonte, Terra de Judeus

Há muito que tinha ouvido falar das judiarias, e talvez até Belmonte tenha sido assinalado nos manuais de História do 7º ou 8º ano como um exemplo da presença judaica em Portugal. Juntando a História à actual condição geográfica (o interior) e demográfica (desertificação) do país, foi com expectativa que parti com a Sofia para Belmonte.

Castelo Novo – a primeira aldeia histórica visitada

Se bem que de um jeito diferente do que eu esperava, Belmonte não desiludiu. Nem Belmonte nem os lugares que visitámos em volta. Antecipando uma desertificação que vai despoletando nestes lugares uma razão de existir quase exclusiva para o turismo, o fim-de-semana alargado de Carnaval foi passado na Beira Interior.

Sediados na Casa do Castelo, junto ao castelo de Belmonte, pudemos visitar a vila para ficarmos a saber que ao fim-de-semana o deserto (de lugares disponíveis para um sumo e uma sandes) é mais árido do que o Atacama. A vila fortificada tem a sua piada, e além do passeio ainda visitámos a igreja de Santiago para acabarmos a jantar na própria estalagem (muito bom!). À ida, havíamos parado em Castelo Novo, a primeira das aldeias históricas visitadas nestes três dias, para comprovar que a beleza pouco mais tinha para oferecer do que a que vemos num postal turístico: de resto, poucos lugares habitados mas muitas casas de férias (fechadas, portanto). Comemos n’O Lagarto, muito bom mas a preços de Lisboa.

Sortelha e o baloiço
O Castelo do Sabugal e o corrimão de arame pela escada assassina

No dia seguinte, pensei que fosse despachar o Castelo e o Museu Judaico mas, dado nem um nem outro serem particularmente grandes (e como tal, acompanhados da habitual obrigação fastidiosa de ter que visitar só porque “estamos lá e provavelmente não voltaremos”), acabaram por constituir visitas muito agradáveis. Partimos para Sortelha, a terceira aldeia histórica (Belmonte faz parte da lista), muito bonita e esta sim, completamente abandonada a menos de uma esplanada e um restaurante, Dom Sancho, onde mais uma vez comemos principescamente (até Sortelha já tem um baloiço – é uma febre curiosa esta de agora plantar baloiços a torto e a direito; sempre fica mais bonito do que um aerogerador… imagino montes pejados de baloiços no lugar das ventoinhas! Mas estes não dão energia nem rendas aos municípios). Seguimos para o Sabugal onde não subi a escada infinita que se desfazia ao longo da muralha, amparada por um arame que só com muito boa vontade lhe poderíamos eufemisticamente condecorar como corrimão. Ainda tivemos tempo de ir “papar” mais uma aldeia, Castelo Mendo, esta menos turística, mas o abandono expectável. Neste ponto, creio ser escusado reiterar a beleza de todos estes lugares. O jantar foi em Belmonte, n’O Brasão, repetindo as refeições anteriores no que à qualidade diz respeito. Em nenhum destes sítios comemos como habitualmente o fazemos quando nos referimos ao Norte ou à Província: quer nos preços quer na confecção, todos estes lugares se pautavam já por um toque de modernidade.

Na segunda-feira fomos à Serra da Estrela: equilibrámos o carro pela estrada assassina para eu não subir a escada colada à rocha, junto à cascata do Poço do Inferno (tal como no Castelo do Sabugal, a Sofia subiu). Continuámos pela N238 ao longo do Zêzere, pelo vale glaciar, parando no Covão da Ametade: sem água! A beleza destes lugares deixa-me sempre sem grandes palavras. Depois do almoço na Covilhã, regressámos à serra, subindo à Torre (uma tristeza – estradas e paisagens tão bonitas mereciam mais do que aquele monte de esterco a cair de podre que lá se encontra abandonado: um observatório caquético, um centro comercial que mais parece um antro de gandulos e do que sobra, só recordo que ou estava velho ou pessimamente cuidado).

Covão da Ametade – Serra da Estrela

Descemos pelo lado contrário, parando em Seia, uma cidade bonita onde nos demorámos naquele período em que a tarde já deixou o calor mas ainda não chamou a noite. Subimos pela N339 de onde viemos, para meter por uma variante que iria apanhar a estrada de Gouveia para Manteigas (lembrando a passagem por aquele mesmo troço que em 2008 me ficou na memória, com as curvas e contracurvas a puxarem o vómito a cada guinada da pickup, ameaça que felizmente não se cumpriu, mesmo depois de ter comido um bife panado regado com queijo da serra derretido; mas isso foi há catorze anos!).

De regresso a Belmonte, voltámos no dia seguinte com a tranquilidade de quem não tem horas a que prestar vassalagem. Almoçámos em Constância, no D. José Pinhão (vale a pena repetir a sentença sobre os restaurantes?), não sem antes termos passado pelas Portas de Rodão, para, do miradouro, podermos ver a garganta que estreita o Tejo e a magnífica paisagem que se estendia à nossa frente. Regressámos com a alegria de quem vem de barriga cheia de um fim de semana bem vivido.

O Tejo estreitando junto às Portas de Rodão
Share this article
Shareable URL
Prev Post

O trabalho não pago

Next Post

A última carta de amor

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.

Read next

Podemos Sempre Tentar

Quando fazemos alguma coisa pela primeira vez sentimos sempre aquele nervoso miudinho e ouvimos a nossa voz…

Entrega

Certa tarde, ao chegar a casa, notei com tristeza que uma árvore de muitos anos que sempre estivera em frente às…