Estava a ver o último filme de Michael Bay – sim, leram bem -, quando reparei num detalhe sobre a produção actual do cinema de Hollywood. Claro que o filme Ambulância me estava a recordar os filmes de acção dos anos 80/90, quando reparei que se tratava da história de um militar veterano americano, cuja esposa precisava de um tratamento e ele não conseguia forma de ter dinheiro (porque as instituições Americanas lhe viraram as costas) e então decide participar num assalto.
Curiosamente, este tipo de filmes, tão comuns há três décadas quase deixaram de ser produzidos. Actualmente os produtores preferem propriedades intelectuais previamente estabelecidas. Mas voltando à questão, nos anos 70/80/90, quem eram os protagonistas dos blockbusters?
Eram americanos comuns que face a um acontecimento extraordinário eram colocados à prova, ou então, profissionais altamente treinados para quem a América falhou.
Na era-Regan, estes filmes eram produzidos para inundar os outros países de uma imagem idealizada da América. No entanto, ainda se puderam produzir filmes que subvertiam esse ideal e eram sucessos – não sejamos inocentes, claro que no final do dia, a ideia de que qualquer um podia vencer na América era o mais importante.
É interessante pensar que na fase da luta Arnold-Sylvester (por sua vez dois excelentes representantes do sonho americano) tivemos um veterano do Vietname de quem a América tinha vergonha, a fugir de polícias e um ex-soldado que foi salvar a filha, porque o governo não o queria ajudar contra uma ditadura da América do Sul.
Basta pensar nas ameaças dos filmes, mesmo que fossem de sci-fi, e estava sempre lá a corrupção da América ou a luta contra o corporativismo.
Por exemplo, na base da Saga Aliens, apresenta-se uma companhia corrupta que está sempre a abusar do seu trabalhador para tentar levar a sua avante e o excelente Robocop apresenta uma crítica feroz ao capitalismo e corporativismo, que a América tentava exportar para fora de portas como modelo de sucesso.
Se olharmos para realizadores e a sua abordagem à estrela de cinema, é muito interessante que com Spielberg, o americano comum passa a ter um lugar de destaque. Em Encontros Imediatos do Terceiro Grau, um pai de família tem um chamamento para a aventura que abraça num acto de egoísmo gigante e no excelente Tubarão, o protagonista, o Chief Brody é um homem simples preocupado com as pessoas da sua comunidade.
O Spielberg já gostava de trazer para o filme o efeito de uma força incontrolável contra o comum e isso produziu filmes que moldaram o imaginário de pessoas pelo planeta – esse foi um dos pontos da criação do blockbuster. Até na construção da fantasia espacial Star Wars, existe um Império, muito inspirado no Terceiro Reich, na luta contra os rebeldes, que queriam a paz e liberdade de volta à Galáxia – embora a saga original tivesse dois seres com superpoderes, é a humanidade que no último momento faz a paz triunfar.
Por outro lado, surgiam outros realizadores que produziram clássicos com uma atitude “fuck the system” bastante evidente. O mais influente foi sem qualquer dúvida John Carpenter, que criou os verdadeiros clássicos em que a América era retratada como conservadora, preconceituosa, viciada em armas e totalitarista.
Vendo o excelente “Escape from New York” e a sua também excelente sequela (mas injustamente esquecida), “Escape from L.A.”, Carpenter estava a profetizar a América de hoje – o fanatismo religioso a tomar conta e os cidadãos a perderem a sua liberdade progressivamente. Claro que o Carpenter torna Snake no protagonista, que efectivamente devia estar preso, mas o seu espírito livre era sempre mais forte e no fundo era uma visão 100% libertária do herói americano.
Ainda por estas alturas, o Indiana Jones já ficava frustrado com a incompetência do Estado a tratar da Arca da Aliança ou o John McClane aturava os agentes incompetentes do FBI, completamente ultrapassados por terroristas europeus. E se formos ao segundo Die Hard, encontramos militares americanos vendidos aos interesses da droga da América do Sul – digamos que na sequela a parada subiu ainda mais.
Voltando ao já citado Robocop, temos o realizador holandês Paul Verhoeven que trouxe a crítica à América ao extremo. Se em Robocop uma empresa cria um super polícia, incapaz de fazer greve ou de matar um membro da sua empresa-mãe, desde o primeiro minuto que o filme aborda a cultura da venda de produtos com anúncios bombásticos e a humanidade do protagonista vai conseguir levar o corporativismo de vencida. Se este filme foi um sucesso, penso que a segunda investida do realizador na crítica severa à América (e regimes belicistas), foi o início do desinvestimento neste tipo de entretenimento – Starship Troopers. Sátira feroz ao desígnio armamentista e bélico da América. Em 1997, o filme não foi compreendido, ao tecer uma dura crítica à guerra, criando uma sociedade em que a cidadania era garantida mediante a ida para a guerra. Mas depois deste fracasso de bilheteira, Hollywood estava apostada em deixar subtextos e críticas de lado, mas tinha um novo aliado de peso – os efeitos especiais computorizados, que dois anos depois, com Matrix atingiam um novo patamar.
Começava a era dos super-heróis e o antigo herói americano comum foi sendo substituído por super-heróis, com “problemas” comuns. Aqui a questão é que nunca deixam de ser super-heróis e o comum passa a ser uma tentativa de uma identificação com o espectador.
Mas até aqui houve uma mudança significativa e para isso basta comparar o Homem-Aranha do Tobey Mcguire com o do Tom Holland.
Nos filmes de 2002 e 2004 (fundamentalmente), o realizador Sam Raimi estava interessado em ver o seu protagonista sofrer com as coisas simples da vida: chegar atrasado a um evento da namorada, não puder revelar a sua identidade, ter de pagar a renda, ter de entregar uma pizza a tempo e horas, ou ter de viver com as consequências dos seus actos. Na nova versão do Tom Holland, são precisos de 2 filmes e meio para que o personagem sofra uma consequência de um acto. E ao contrário da versão original, nem é um acto de egoísmo – é um acto de altruísmo. Ou seja, actualmente a mesma personagem ficou menos interessante e menos humana. Confesso que neste caso, não consigo entender a motivação da Marvel em pegar na sua personagem mais estimulante e reduzi-la a um adolescente com gadgets do Homem de Ferro.
Mas será que existe alguma conspiração para que isto esteja a acontecer? Não, acho sinceramente que não. Acho que tudo se resume a uma frase que o Jim Carrey disse a propósito do estalo do Will Smith: “Em Hollywood são uns cobardes. Já não somos mais o clube dos fixes”. Portanto, o corporativismo tornou Hollywood triste, ou pelo menos, Hollywood voltou ao que era antes dos anos 70 – uma elite que se leva muito a sério, porque afinal com dinheiro não se brinca.
Mas há fogachos de optimismo.
Por exemplo, o Esquadrão Suicida do James Gunn e vamos encontrar um filme cujo final é uma grande crítica à forma dos Estados Unidos actuarem no estrangeiro, ou o filme Capitão América – O Soldado do Inverno que nos recorda de filmes de conspiração.
Mas isto ainda são filmes de super-heróis (e o mesmo a funcionar para magos, atiradores implacáveis que vingam o cão, etc)…
Para quando um bom velho filme de acção que traga aquela magia de clássicos como O Fugitivo, First Blood, Die Hard, Robocop e tantos outros? Ou aquele filme pipoca divertido como o Comando, o Eraser, o Demolition Man, o Con Air ou o Cliff Hanger?
E atenção, não estou a apelar à nostalgia, mas, sim, a apelar contarem histórias novas, mais autorais e com um pendor mais humano. É tempo de deixar lutar contra o extraordinário, apenas com o extraordinário – torna-se desinteressante. E a prova do que digo é que normalmente, os filmes de origem dos super-heróis são os melhores – será que é porque o comum está a tornar-se extraordinário?
Vejam as lições dadas pelo mestre Spielberg e voltem ao básico dos blockbusters – a humanidade dos heróis.
Entretanto, ficamos com o fraco Ambulância. Mas confesso que até deu para matar saudades…