As bruxas são seres lendários que continuam a povoar as mentalidades modernas. Temos conhecimento da sua existência através de relatos escritos e orais. No folclore são muito populares e ainda olhadas com algum receio. Estas mulheres possuíam conhecimentos estranhos e efectuavam rituais macabros.
A sabedoria popular encarregou-se de divulgar as suas façanhas, os seus poderes e as suas poções que produziam milagres. O medo, aliado ao respeito, levou a que a magia se propagasse e assumisse contornos exagerados e caricatos. A elas eram atribuídas as desgraças e o mal que vinha ao mundo.
Em Zugarramundi, povoação situada nos Pirinéus do País Basco, este tema foi tão pertinente que deixou manchada a História de Espanha, com a brutalidade que assumiu. O ano de 1610 ficou conhecido como aquele que a Inquisição teve poderes para assassinar 18 pessoas sem arrependimentos ou problemas de consciência. Nos dias 7 e 8 de Novembro, depois de um julgamento sumário e da assumpção da culpa, foram todas mortas na fogueira. Uma dessas pessoas era um rapaz de 11 anos.
O que se passou nesta povoação que deu azo a esta atitude tão drástica? Nada de grave a não ser uma mulher que tinha servido como criada, durante 20 anos, numa cidade, ter-se mudado para essa pequena localidade, com de cerca de 200 pessoas e ter tomado conhecimento de uma realidade diferente da que conhecia. O que encontrou deixou-a muito admirada e rapidamente decidiu fazer chegar a sua indignação às autoridades.
Na povoação habitava um grupo de mulheres com hábitos peculiares. Comiam muitas maçãs e deitavam-se com quem lhes apetecia. Aos olhos de quem tinha vindo de outro local, estes costumes pareciam descabidos e perigosos. Analisando com calma, pela forma de pensar de hoje seriam vegetarianas e emancipadas, mas para a mentalidade da época, eram simplesmente libertinas e doidas.
O processo inquisitorial era complexo e iniciava-se com a delação. As pessoas eram investigadas e depois condenadas. As acusações eram da maior gravidade pois num mundo religioso, católico, ser alternativo era crime. As mulheres eram acusadas de ser bruxas porque provocavam enfermidades, tempestades e ainda tinham a capacidade da metamorfose, ou seja, de se transformarem naquilo que muito bem entendiam.
Seguia-se a parte cénica do processo que incluía o auto de fé. Este tinha uma função pedagógica e era incitado a ser participado. Na praça central era montado um palco, para ser bem visível, com um monte de lenha, a fogueira. As mulheres eram imobilizadas, atadas a um estandarte de madeira e era-lhes pegado fogo. Ardiam lentamente, numa profunda agonia e num sofrimento atroz, seguido pelos espectadores que aplaudiam, sendo que muito deles o faziam por medo.
Assim se escreveu mais uma página negra na História Mundial onde as mulheres foram tratadas como seres malévolos e perigosos. Os seus nomes nunca foram esquecidos e continuam a ser lembradas, todos os dias, para que a memória nunca se cale e não se voltem a repetir os erros dos passado. Existe, agora, um Museu onde se podem consultar todos os documentos e recriar tudo o que se passou.
A verdade é que o estigma da mulher bruxa não desapareceu. Antes pelo contrário, manteve-se. José Saramago na sua obra Memorial do Convento retrata Blimunda como a mulher bruxa, aquela que tem poderes especiais, mas que os usa para benefício de todos e não em seu proveito. É uma mulher pura e que se entrega a um só homem que vai amar toda uma vida. Uma mulher que honra com a sua palavra, apesar de não ser cumpridora de convenções.
Em pleno século XXI ainda se encontra esta mentalidade, pequenina e retrógrada, da Idade Média. As mulheres, as bruxas, continuam a ser vistas como seres complementares e não como iguais, numa sociedade machista que se está, novamente, a afundar nestes preconceitos. O homem continua a dominar, qual macho dos tempos idos que caçava e levava os despojos para as fêmeas tratarem.
É natural que o feminismo esteja na ordem do dia. Não porque pretenda enaltecer a superioridade feminina, mas sim porque entende que deve existir uma igualdade. Como é óbvio, homens e mulheres apresentam anatomias diferentes, o que permite a procriação e continuidade da espécie, mas somente do ponto de vista físico. As equidade está a falhar, em muitos aspectos, sobretudo no acesso aos cargos de chefia.
Não se pretende incitar ódios nem guerras com inimigos desconhecidos. O que se quer é que a mulher seja vista tal como ela é, um ser humano em pleno. As diferenças são bonitas e servem para serem apreciadas. A discriminação é que não é tolerável. O termo bruxa contem um sentido tão negativo e tão impregnado de más energias que se chega a tremer só de o ouvir.
A mulher continua a ter uma luta diária para demonstrar o seu verdadeiro valor. Talvez no tempo das referidas bruxas elas vivessem em muito maior liberdade do que nós, mulheres do século XXI. Agora temos que provar que somos capazes de nos desdobrar e de fazer esticar o tempo e a capacidade criativa. A verdade é que a mulher é aquela que fica sempre até ao fim.
Ainda haverá bruxas, tal como são descritas nos livros e no imaginário popular? Aquelas mulheres velhas, feias, cheias de verrugas, que passavam o dia de volta de um caldeirão a borbulhar, cheio de poção mágica e viviam em casas escuras, escondidas nas florestas? As bruxas de agora são atraentes, produzidas, bonitas, jovens e cheias de atractivos que levam qualquer um a cair nos seus feitiços e que nem se apercebem das tramas onde estão. Há quem lhes dê o nome de amor.
As bruxas sempre foram seres que não reuniam o consenso geral. Amadas por uns e odiadas por outros, o seu nome foi mantido nas poeira dos tempos. Capazes dos maiores feitos e das maiores barbaridades, foram o cimento que uniu o real e o imaginário, o pleno e o inacabado, o perfeito e o imperfeito. Ainda existem ou são só fruto da nossa imaginação?