Almas perdidas

Quantas vezes passamos pelas pessoas e não as conseguimos ver? Quantos são os dias em que as olhamos e tentamos entrar dentro da sua alma e entender o que sentem? Somos capazes de fazer este tipo de exercício ou apenas olhamos para nós e seguimos a vida como se tudo fosse normal e natural?

Conhecemos o nosso vizinho do lado? Sabemos se tem algum problema ou se a vida lhe corre bem? Será que ainda podemos bater à porta do lado e, com o pretexto de pedir um ramo de salsa, começamos uma conversa que lhe irá fazer bem? Querermos estabelecer laços ou sentir é muito doloroso?

Andamos sempre tão atarefados, de um lado para o outro, com tanta pressa de viver, mesmo sem saber o que é a vida, que nos esquecemos das coisas verdadeiramente importantes. E conhecer o vizinho faz parte das boas relações de sociabilidade. Quem diz o vizinho, diz o colega de trabalho.

Um destes dias tive oportunidade de ter uma conversa muito agradável com uma vizinha. Curiosamente, ela sabia mais de mim do que eu dela. Não no sentido do saber só porque sim, mas num outro aspecto que não interessa referir. Foi um momento gratificante. Encheu-me a alma.

Quantas vezes olhamos para o lado para evitar falar com alguém? Qual o motivo que nos leva a ter este tipo de comportamento? Medo? Desconfiança? Fechamo-nos em cascas muito duras e depois esquecemo-nos de como era antes de estarmos isolados. Quebrar estas rochas, que não são de protecção, mas somente se rejeição, é tarefa da grande monta.

Custa muito dar uma palavra simpática com quem lidamos todos os dias? Com a senhora da padaria ou o senhor do café? É complicado dar os bons dias a quem passa por nós diariamente? E um sorriso não fica sempre tão bem no rosto? Ainda é grátis e salutar.

Optamos por vias mais longas, menos humanas e mais individualistas. Parecemos autómatos que se movem de forma programada, sempre nas mesmas horas e nos mesmos locais. Acabamos por esquecer o que somos e quem somos. Restos de alguma coisa ou coisa nenhuma?

Caminhamos para um final em que somos meros destroços humanos e já nem queremos saber de nada. Nem de nós. Perdemo-nos e já nem nos queremos encontrar. Desfazemo-nos em fragmentos que desaparecem no firmamento ou nas estradas poeirentas.

Um dia sabemos que alguém morreu e sentimos um certo rebate no coração. Talvez estivesse sozinho, precisasse de ajuda e teve receio de pedir. Depois já não vale a pena. Importa é o agora. Os remorsos vão ficando e acumulam-se.

Somos meras penas que esvoaçam num espaço limitado e que tocam algumas almas. As outras têm novos anjos ou não querem ser tocadas. Os nossos pedaços cósmicos podem ser a essência do melhor e, com a boa vontade, podemos fazer toda a diferença.

E o barco que fomos, a embarcação imponente e gloriosa de outrora que desbravava os mares desconhecidos e perigosos, é agora um pedaço de lastro sem serventia alguma.

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Verónica

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