A virtude está no meio e a felicidade?

A busca da felicidade, a tentativa de a alcançar e de a manter sob nosso controle, é inerente ao ser humano. Desde sempre que ouvimos falar da busca da felicidade, de criarmos uma vida com a qual somos felizes. Se existem filosofias e religiões que nos indicam o caminho da virtude e da moralidade, não há quem também nos indique a estrada para a felicidade?

Já Aristóteles dizia, virtus in medium est,” ou seja,   a virtude está na média dos factos. Existem várias filosofias que nos ajudam a encontrar a virtude e a moralidade. Poderão estas ajudar-nos a encontrar também a felicidade?

No caminho para buscar algo, precisamos de saber em que realmente consiste esse algo. Afinal, o que é a felicidade? É um estado emocional caracterizado por sentimentos de alegria, satisfação, contentamento e realização. Basta lermos a última frase para rapidamente percebermos que a grande falácia da felicidade é que depende sempre de quem está a pensar sobre ela, ou seja, não há um caminho que resulte para toda a gente. Então, o que dizem os filósofos sobre isto?

Estoicismo é uma das quatro grandes escolas de pensamento do período Helenista, fundada na inspiradora Ágora de Atenas em cerca de 300 A.C. Tanto Aristóteles como os estoicos dizem que a virtude é uma componente essencial da felicidade. A diferença é que Aristóteles junta à sua conta matemática da felicidade os bens físicos, internos e externos, como, por exemplo, a saúde, o dinheiro e os amigos. Os estoicos dizem que apenas precisamos da virtude para sermos realmente felizes.

No entanto, o que era a virtude para os nossos antepassados? A virtude é a qualidade de se conformar com o considerado correto e desejável, com o bem ou com a excelência moral. No estoicismo, a prática da virtude é obrigatória e suficiente para alcançar a “eudaimonia: palavra grega para traduzir o estado ou condição de estar com ‘bom espírito’ ou boa disposição. Fique com esta palavra na cabeça pois irei usá-la bastante ao longo deste artigo. Eudaimonia é muitas vezes traduzido para ‘felicidade’, mas é uma tradução muito redutora. Eudaimonia é serenidade, paz e liberdade de paixões, ou de emoções que condicionam as nossas ações e nos afastam da racionalidade e dos nossos valores.

Os estoicos focam-se também na dicotomia do controlo: coisas que podemos ou que não podemos controlar. As opiniões dos outros, as suas ações e os acontecimentos à nossa volta são coisas externas que não podemos controlar  — e gastarmos a nossa energia e tempo concentrados nesses temas levará inevitavelmente à infelicidade. Faz sentido, todos sabemos que não podemos ficar sempre à espera de aprovação externa para sermos felizes e a preocupação pode, muitas vezes , ser um desperdício da nossa energia. Podemos assim concentrar-nos nas coisas que podemos controlar: as nossas ações e reações. Para alcançar a “eudaimonia“, estas são as únicas coisas que podemos controlar e nas quais nos devemos focar.

A sabedoria e o caminho para a felicidade, segundo os estoicos, vem da observação das nossas emoções através de uma perspetiva lógica e quase científica, aceitando que não temos controle sobre elas mas que podemos analisar e reagir da forma mais virtuosa possível. A chave para a serenidade não é suprimir as nossas emoções mas ser capaz de manter uma mente calma apesar de tudo.

“A felicidade depende da qualidade dos nossos pensamentos.”

– Marcus Aurelius

Existe uma abordagem muito semelhante tanto na filosofia Zen como no Budismo. A história de Buda é difícil de acreditar, e assim que a li pela primeira vez imediatamente percebi a razão da sua existência e os ensinamentos que tem para nos dar.

Siddhārtha Gautama (ou Buda) nasceu por volta de 500 A.C., filho de uma chefe tribal da dinastia Sakā (nome utilizado pelos Persas para se referir às tribos nómadas que viviam a norte do império). Havia já várias profecias que rodeavam o seu nascimento e o futuro desta criança, no entanto, foi a decisão de o manter no palácio rodeado de luxo e abundância, que realmente traçou o seu futuro.

Buda tinha tudo, mas ao aperceber-se da realidade externa do povo Indiano – superpopulação, escassez de alimentos, entre outras pragas – ficou em choque. Olhou para tudo o que tinha, sentiu a tremenda injustiça e decidiu afastar-se do seu palácio e da sua família, dos seus bens materiais, e procurar explicações para o enigma da vida. Procurou orientação espiritual noutras religiões, mas acabou por passar grande parte do seu tempo a meditar sozinho.

Buda permaneceu fiel a algumas crenças prévias do Hinduísmo tal como a renúncia às coisas terrenas como meio para atingir a sabedoria e a perfeição. Adotou também a teoria hindu do “karma”, uma espécie de lei cósmica, segundo a qual o comportamento virtuoso durante uma encarnação traria recompensa em encarnações futuras, enquanto uma conduta perversa implicaria castigo.

Os Budistas acreditam que o sofrimento vem dos nossos desejos, enquanto os estoicos acreditam que o sofrimento vem da nossa percepção de eventos externos. Assim, os Budistas creem que o segredo da felicidade é eliminar todos os nossos desejos, enquanto os estoicos afirmam ser a aceitação de todos os eventos externos, das ações e pensamentos dos outros, sem raiva, tristeza ou desespero. Uma pessoa sensata tenta melhorar, mas aceita que existem coisas sobre as quais não tem qualquer poder. 

O Budismo e o Estoicismo têm também uma abordagem semelhante ao sentimento de desejo.

“Não cedas aos sonhos de ter o que não tens, mas reconhece as bênçãos que já possuis, e pensa em como os desejarias se não fossem teus.”

– Marcus Aurelius

Os estoicos chamam de ‘indiferentes’ aos prazeres terrestres como o dinheiro e o sexo. Estas são coisas agradáveis de obter, mas não têm nada a ver com a busca da felicidade. Muito pelo contrário, uma vida passada a perseguir ‘indiferentes’ nunca poderá ser uma vida de “eudaimonia“.

O objetivo do estoicismo e do epicurismo é o mesmo: atingir um estado de “eudaimoniaO epicurismo é a doutrina filosófica da Grécia antiga que apoia a procura dos prazeres moderados para atingir um estado de tranquilidade, ausência de medo e de dor. Para os epicuristas, as conexões interpessoais como por exemplo as nossas amizades, são vitais para a felicidade.

A grande diferença do epicurismo em relação ao estoicismo é que, em vez de encontrar a felicidade através da aplicação da razão e da virtude, o epicurismo prefere focar-se nos simples prazeres da vida e remover todas as perturbações o máximo possível. Para Epictetus, o ser humano é simples: procuramos o prazer e evitamos a dor. A virtude de nada vale nesta filosofia, aliás, é considerado um conceito vago e abstrato que pode levar-nos até à infelicidade. Segundo o epicurismo, a felicidade é retirar-se da sociedade e usufruir de uma vida simples e prazerosa, fazendo o que nos faz feliz.

 

“Existe apenas um caminho para a felicidade, deixarmos de nos preocupar com coisas que estão para além do nosso poder de vontade.”

— Epictetus

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