A dor de um aborto espontâneo

Recordo com ternura que um dos meus maiores sonhos de infância era ter um irmão. Quando os meus pais me brindaram com a feliz notícia, senti um misto de emoções, mas a maior de todas foi sentir que já não estava sozinha.

Com 10 anos de idade, senti que tinha responsabilidade sobre o bebé que vinha a caminho e fiz questão de ir com a minha mãe à primeira consulta. Senti vontade de chorar, quando ouvi o bater do coração do bebé pela primeira vez, e ouvi atentamente todas as indicações médicas que lhe foram dadas. Acompanhei os primeiros meses com muito amor, até ao dia 23 de Dezembro. Nesse dia, olhei para o rosto da minha mãe e vislumbrei a dor da perda… instintivamente percebi que algo se passava, contudo, com a inocência característica das crianças, abracei a esperança e segurei a sua mão.

Fui com os meus pais para o hospital e o médico, percebendo a minha angústia, explicou que o bebé não estava a desenvolver como era suposto e que o corpo da minha mãe o estava a expulsar. Não havia nada que pudéssemos fazer.

Vi o sofrimento da minha mãe, quando foi para a sala de cirurgia, e deixei-me estar por ali, em silêncio, junto do meu pai.

Os dias seguintes foram marcados pela mesma angústia. Foi doloroso para a minha mãe receber roupinhas para o bebé que já não existia e, embora o médico tenha dito que dali por uns meses poderia voltar a tentar engravidar, o seu medo era gigante.

Quando recentemente voltei a abordar este assunto, ela disse que sentiu muito receio de voltar a engravidar e voltar a passar por uma experiência tão aterradora. Houve uma parte de si que morreu naquele dia…

A dor do aborto é uma das piores dores que uma mulher pode passar na sua vida, pois ela afeta de maneira devastadora as componentes física e espiritual.

Após um aborto, a mulher fica extremamente debilitada a nível físico e emocional, questionando de forma recorrente a sua capacidade em voltar a engravidar. Isto ocorre principalmente quando o aborto é espontâneo, dando lugar a um sentimento de culpa, por parte da gestante, como se de alguma forma a mesma pudesse ter antecipado o que ia acontecer, ou até mesmo precaver-se de alguma forma.

Esse é um dos piores sentimentos relacionados ao aborto, pois, em casos de aborto espontâneo, muitas vezes, não há um culpado específico. É difícil para a mãe aceitar, que, por diversos fatores, não era o momento da maternidade.

No entanto, passados nove meses a minha mãe venceu o medo, voltou a engravidar e, ainda que a angústia fosse evidente, decidiu viver a experiência sem ficar condicionada pelo passado. E eu sou eternamente grata por isso! No dia 21 de Junho de 1991, com 4,130 kg nasceu o meu irmão e olhar para o seu rosto foi um dos dias mais felizes da minha vida!

Embora a gravidez posterior ao aborto tenha corrido muito bem, sei que ainda guarda no coração o bebé que não chegou a abraçar, pois, quando recentemente a abordei, ainda vi sofrimento no seu rosto.

Deixo um abraço cheio de amor para todas as mamãs que vivenciaram esta dor e um apelo gigante à mulher guerreira que há em todas nós, para que não nos deixemos vencer pela tristeza e possamos enfrentar os desafios que a vida nos apresenta, sempre com muito amor no coração.

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