As velhas leis da natureza humana ditam que somos, simultaneamente, atraídos e amedrontados pelo desconhecido. Queríamos encontrar caminhos para a Índia, mas temíamos os monstros do horizonte. Queríamos a lua, mas não nos conformávamos com a morte sempre à espreita; queremos sentir a divindade nas nossas mãos e criar uma Inteligência artificial, mas temos medo que, um dia, essa Inteligência nos sobreviva.
A Inteligência Artificial veio para ficar e não sabermos os termos dessa estadia é o que nos desperta a curiosidade, mas a torna, ao mesmo tempo, tão assustadora. A este propósito, muito se debate sobre o impacto desta tecnologia no mercado de trabalho.
A questão não é nova. Com a primeira revolução industrial, o ser humano perde os trabalhos mais monótonos para as máquinas na época inventadas. Hoje, numa era em que é essencial produzir muito, no menor tempo possível, é lógico que estamos preocupados com a substituição dos nossos postos de trabalho, porque estamos a falar de entes muito mais eficientes desse ponto de vista – com rapidez de processamento e capacidade de memória com as quais nunca estaremos aptos para competir. É uma preocupação legítima.
Aquilo a que se assiste é a uma divisão, em dois grupos, dos trabalhos existentes: entre aqueles que requererem o mero processamento e cruzamento de informação e aqueles que implicam a utilização de estados cognitivos mais avançados.
Todos os trabalhos que se possam inserir numa lógica, mais ou menos concreta, de 1+1 ou de se A então B, enquadram-se na primeira categoria. Aqui temos profissões como o recepcionista, o maquinista de comboio, caixeiros e empregados de mesa, trabalhos relacionados com a limpeza e higiene, operários, e, eventualmente (embora se estime que vá demorar pelo menos 10 anos), motoristas. Há quem inclua os Cirurgiões nesta categoria, embora seja bastante discutível.
Aqueles que envolvem raciocínios mais intuitivos, compreensão de conceitos abstratos e utilização de senso comum, cairão na segunda categoria. São exemplos a Terapia da Fala, a Advocacia, Políticos, Psicólogos, os Médicos e Enfermeiros (pela parte mais humana que, do ponto de vista aqui defendido, requerem a parte sensível da profissão).
Neste âmbito, a Bruegel descreveu que 54% dos Trabalhos na UE podem vir a ser perdidos para a computação (o artigo pode ser consultado através de http://bruegel.org/2014/07/chart-of-the-week-54-of-eu-jobs-at-risk-of-computerisation/). Defendendo o mesmo ponto, surge um estudo da Universidade de Oxford, que apontou para a percentagem de 47% para a quantidade de pessoas que têm elevada probabilidade de vir a perder o seu emprego nos próximos 20 anos (se o leitor quiser consultar o estudo pode fazê-lo em https://www.oxfordmartin.ox.ac.uk/downloads/academic/The_Future_of_Employment.pdf).
Ainda assim, nem tudo leva a crer que o cenário não será tão mau quanto o esboçado nestes estudos. Talvez seja bem mais provável assistirmos a uma redefinição do mercado do trabalho, mais do que a uma substituição dele.
A ideia subjacente é que os trabalhos tipicamente mais rotineiros vão desaparecer, aos poucos, sim, e isto até parece uma ideia bastante assente. Porém, claro fica que o trabalho humano não desaparecerá, precisamente por isto, porque é de cariz humano. Esta é a opinião da maioria dos peritos em recursos humanos, segundo um inquérito desenvolvido pela Cuatrecasas e o Grupo Adecco em Espanha, mercado não muito diferente do Português. A OCDE partilha esta opinião quando afirma que a IA irá substituir muito mais tarefas, que sejam sempre iguais, do que propriamente profissões em si.
E, há que referir, desaparecem trabalhos a médio prazo, mas outros nascerão com as tecnologias, até porque elas não podem, pelo menos para já, exercer sem supervisão. Verdade seja dita, os softwares ainda cometem muitos erros básicos e precisam de orientações quando ocorrem situações desconhecidas. Embora os peritos admitam que os postos de trabalho poderão desaparecer a uma velocidade maior do que se criam os novos, nem tudo será tão negro.
Pode parecer estranho, mas a palavra computador nem sempre esteve associado a um hardware capaz de executar programas – dava-se esse nome a pessoas cujo trabalho era processar cálculo e informação. Este trabalho hoje desapareceu, porque temos computadores, máquinas de processamento, que o fazem. Com os computadores nasceram, contudo, toda uma quantidade de profissões associadas a eles, desde programadores a engenheiros informáticos. O que nos garante que o mesmo não se passará com a IA?