A arte como representação de uma comunidade

O mundo muda, a sociedade também. Atualmente vivemos numa época que, gradualmente, se torna mais conservadora. Direitos adquiridos parecem correr o risco de não estarem garantidos. Há retrocesso na igualdade e na equidade.

E, por norma, são os grupos considerados mais frágeis e os grupos minoritários que começam a ver os seus direitos questionados. O discurso normaliza lentamente e muitas vezes com a ajuda de poderosos meios de comunicação. Recentemente, as novas regras apologéticas de uma suposta liberdade de expressão de uma conhecida rede social, consideraram correto definir as mulheres “objetos domésticos ou propriedade” ou permitir “alegações de doença mental ou anormalidade quando baseadas em género ou orientação sexual, dado o discurso político e religioso sobre transgéneros ou homossexualidade” sem que haja nenhum género de chamada de atenção.[1] É um claríssimo retrocesso.

No final do século XVIII a França foi o primeiro país europeu a descriminalizar a homossexualidade e só na década de ‘70 do século XX deixa de ser considerada patologia do foro mental pela Associação Americana de Psiquiatria. Ao longo das últimas décadas tem-se caminhado em direção de uma maior igualdade com a validação do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, a possibilidade de adoção e de mudança de género nos registos civis, entre a conquista de outros direitos. A equidade, essa, está ainda longe de ser atingida.

Como é possível querer voltar atrás? Como explicar à comunidade LGBTQI+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e transgéneros, queer, intersexuais e todos os outros casos não descritos representados pelo símbolo +) que podem perder direitos adquiridos? Obviamente sabe-se que esta evolução em termos conquista pela igualdade de direitos não é aplicável a todos os países do mundo. Mas, ainda assim, sublinha-se o recuo do tanto que já foi conseguido.

Mais do que analisar os passos na evolução da história da comunidade LGBTQI+, interessa perceber que será impossível eliminar o seu percurso. Há marcas indeléveis da comunidade e da sua luta por direitos em áreas tão distintas como a comunicação social e em diferentes formas de expressão artística como a literatura, o cinema ou a música.

Centremo-nos na definição de conceitos. A arte é a “atividade humana que consiste em interpretar a realidade ou expressar ideias através da pintura, escultura, literatura, música, dança, teatro, etc.”[2]. Por norma, o artista expressa os seus sentimentos e experiências, ou seja, a sua forma de ver e interpretar o mundo que o rodeia.

Neste caso específico fala-se em arte queer, porquanto o termo queer[3] abrange toda a comunidade LGBTQI+. Este é um movimento artístico não oficializado e que é considerado polémico nas suas abordagens, tanto que reacendeu a discussão sobre que é e o que não é permitido representar na arte.

Se considerarmos as artes plásticas, destacam-se os temas de luta política e social pela igualdade de direitos, mas também uma certa arte erotizante. O reflexo do impacto conseguido é o aparecimento de estudos que analisam a produção artística. É o exemplo do livro A queer little history of art do historiador de arte Alex Pilcher. Centrando-se na produção artística a partir de 1900, dá a conhecer vários artistas de diferentes pontos do mundo e o seu trabalho.

Provavelmente a forma de causar um maior impacto e de chegar mais facilmente à população em geral, é transportar a arte para o espaço público. E a arte queer tem feito isso. Na década de ‘80 e ’90, sobretudo nos Estados Unidos da América, muito impulsionado pelo movimento ativista, produziram-se posters, murais, esculturas, memoriais e grafitis.

Em suma, a arte é um statement, uma forma de transmitir ideias e uma determinada visão do mundo. É, também, uma forma de provocar e de educar, podendo levar a reflexões e a mudanças de atitudes.


Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico.

[1] https://executivedigest.sapo.pt/noticias/novas-regras-do-facebook-ja-permitem-considerar-uma-mulher-um-objeto-domestico-o-que-mais-muda/

[2] https://www.infopedia.pt/dicionarios/basico-ilustrado/arte

[3] A teoria queer surge na década de 1980 como uma teoria sobre o género e defende que a orientação e identidade sexual ou de género de um indivíduo é produto de uma construção social. Teve como referencial teórico os estudos de Michel Foucault, Jacques Derrida e Judith Butler.

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