Assistimos nos nossos dias a acontecimentos socioculturais e políticos determinantes com impacto no contexto de vida das pessoas, na visão do mundo que temos hoje, bem como na herança civilizacional dos povos que determinam a forma como as pessoas nascem, se relacionam e vivem num certo período.
Nesta base, deparamo-nos com a divisão das gerações e na massificação de conceitos como: falar da geração X (nascidos entre 1965 e 1980), Y ou “Millennials” (1981 e 1996.), Z (1997 e 2010) “Baby Boomers” (nascidos entre 1946 e 1964) e Alfa (após 2010).
Cada geração apresenta características típicas na forma de pensar, de agir, de se comportar e até de aprender em diferentes ambientes socioculturais.
Se me revejo em alguma geração para além da minha, eu diria que sim, com algumas características nas gerações acima descritas, porque guardo o espírito de sacrifício que me foi passado pelos meus pais, do foco em objetivos, do empreendedorismo para novos projetos e a paixão por novos desafios que me coloquem à prova.
As gerações confundem-se, mas a geração dos antigos aporta-nos para conhecimento e saber fazer que poucos sabem ou querem saber.
Em cada geração, iremos beber conhecimento, aprendizagem e, sobretudo reconhecermos a humildade de que nada sabemos e que estamos sempre a aprender, com generosidade com todos que nos rodeiam, independentemente da geração donde provêm.
Hoje, vamos ao teatro e conhecer a peça “Coração de um Pugilista”, encenada e dirigida pelo diretor artístico João Lourenço do Teatro Aberto.
Trata-se da adaptação do texto do autor alemão Lutz Hübtner que nos remete precisamente para uma história que se passa nos anos 70, uma parábola da vivência de um pugilista conhecido como Leo, que passa os últimos dias de vida num lar e o jovem Jojo, o exemplo do rebelde, o irreverente que provoca e agita todos os padrões de uma sociedade espartilhada entre o bem e o mal.
Jojo é o paradigma do jovem inconsequente, que é apanhado num furto e o tribunal condena-o a fazer serviço comunitário num lar de idosos.
É-lhe determinada a tarefa de pintar o quarto de Leo, um velho pugilista que, sofre de início de demência, é considerado perigoso na instituição, pelo que está isolado numa ala diferente sem visitas.
No início, assistimos à revolta e agressividade de Jojo que vão chocar com a aparente apatia e mutismo de Leo. A tensão entre os dois vai desaparecendo, quando estabelecem diálogo e começam a partilhar as suas histórias de vida e a ganharem mutuamente respeito.
Não obstante, verificarmos uma história que vai crescendo nos diálogos e nas ações até à tensão e clímax da narrativa, debatemo-nos igualmente com dúvidas se a história de facto aconteceu ou, se não se tratou de mais um sonho de Leo.
Se, por um lado, Leo aceitou que a sua existência de pugilista já teve o seu tempo de glória que foi audaz nas decisões e caminhos que optou na vida, por outro, Jojo sente a injustiça de ser alguém que já nasce com o estigma da falta de oportunidades o que o leva a enveredar pelos caminhos da perdição e do furto.
Fazendo a abordagem do imaginário de um combate de boxe, esta peça de teatro remete-nos para uma discussão sobre a forma de encararmos a vida numa perspetiva de vitórias e de derrotas. Num diálogo intenso, entre duas gerações que aprendem entre si que é preciso continuar a lutar, mesmo depois de ter-se ido ao tapete ou tentado desistir.
A grande mensagem subjacente é a aprendizagem de gerações distintas personificadas nas figuras de Jojo e de Leo e na forma como estabelecem este elo peculiar de ligação geracional.
Uma peça bem construída, com características muito atuais do tempo que vivemos, do choque de gerações mais antigas com as novas gerações, mas com uma mensagem muito própria de que até os corações mais rebeldes, irreverentes guardam generosidade, bondade quando se apela a revelarmos o melhor do ser humano.
As interpretações do actor Miguel Guilherme no papel de Leo, uma referência nos palcos portugueses, bem como do actor Gonçalo Almeida no papel de Jojo, um jovem em crescimento dramatúrgico, são um convite para ver ou rever esta peça de teatro.
A cultura não tem dia, não tem hora certa, está à vossa espera!