Nos últimos tempos, a despenalização da Eutanásia tem sido muito debatida por todos os quadrantes da nossa sociedade. Não sendo um assunto muito consensual, temos de olhar para ele mais com o coração do que com a ética moral.
Parte da sociedade portuguesa mostra-se contra a sua despenalização, evocando a ética profissional e moral, afirmando categoricamente que, com o avanço da Medicina, não faz sentido a despenalização da Eutanásia. Outro dos argumentos prende-se com questões de ética e de religião, sustentando a tese que ninguém tem o direito a tirar aquilo que Deus lhes deu, a vida.
Gostaria de convidar esses seres humanos que acham que moralmente a eutanásia é crime, a colocarem-se no lugar de um doente paliativo e dos seus entes queridos, conforme eu me coloquei. Imaginei o que seria a vida de um doente paliativo, por causa da minha dramática experiência vivida como familiar de um doente terminal.
Relato como foi:
Estou deitado no meu leito de morte, ligado a vários aparelhos que sustentam a minha pouca resistência a vida. Não consigo respirar sozinho, sou alimentado por uma sonda, não sou capaz de me mexer, nem para fazer as necessidades fisiológicas que um ser humano normal faz.
Será que ainda sou um ser humano, não, não sou, sou apenas um espectro de pessoa, á espera da minha hora, mas a minha hora como ser vivo já há muito definhou.
Peço carinhosamente que me tirem deste martírio, desliguem as máquinas, implantem em mim uma injecção letal, o que for para me tirarem deste suplício. Só que não é possível. As leis do meu país não permitem e eu continuo aqui, sem vida.
Vislumbro os meus familiares e amigos em cada visita que me fazem, com o olhar triste e cabisbaixo, tentando com sorrisos ténues e os olhos lacrimejantes oferecer-me algum alento. Sinto no meu coração enfraquecido que estão a sofrer tanto como eu. Não sou capaz de continuar a viver assim, fazendo sofrer quem amo, não tenho vida, mas simplesmente um corpo morto, debatido, inerte, uma réstia daquilo que fui outrora.
Olho para eles como a mendigar misericórdia, evocando no seu olhar que a minha presença física não é mais do que um martírio. Peço, se gostam de mim, que me tirem desta vida inócua, sem sentido, mas, no fundo, sei que não podem, que é crime, e a última coisa que quero é fazê-los sofrer ainda mais.
Surpresa das surpresas, na última visita, vi-os com uma cara sorridente, abraçaram-se a mim, num abraço que talvez nunca me tinham dado, sussurrando-me ao ouvido:
Brevemente, muito brevemente, vai acabar o teu suplício, aquilo que tanto ambicionavas vai ser possível. Foi aprovada a despenalizarão da Eutanásia, o teu sofrimento está no fim.
Nessa noite dormi mais aliviado, apesar do meu sofrimento e dos meus. Agora poderia ser possível eu decidir o que queria fazer à minha vida, se é que isso se pode chamar de vida.
Agora pergunto: num cenário destes ainda pensa que a Eutanásia é um erro?
Temos de olhar com o coração e não com a razão. Temos de compreender e colocar-nos no lugar dum doente paliativo, em fim de vida, uma vida que deixou de ser vivida, uma vida sofrida.
Não existe ética moral que substitua a vontade de viver nem a vontade de morrer. A vida é para ser vivida e não para ser sofrida.
Viver em sofrimento não é viver.