Confesso que fiquei muito curiosa com este documentário, só por incluir o Freddie Mercury no título, e assumi, não totalmente errada que seria sobre os últimos anos da sua vida. Apesar desta minha rápida associação, quando comecei a ver o documentário percebi que era muito mais do que isso. É um documento histórico que regista o medo, o desconhecimento sobre o aparecimento do VIH, que causa SIDA, que vitimou o cantor e um registo do seu legado cultural e emocional.
Ao mesmo tempo que a carreira dos Queen brilhava pelo mundo e todos ficávamos extasiados com a voz do Freddie Mercury, outras pessoas vivam o drama da contaminação e assistiam à morte dos seus namorados, amigos, irmãos com SIDA. O que torna interessante o documentário é essa partilha histórica com testemunhos de pessoas que viveram a época, alguns deles também contaminados com o vírus e que pelo esforço hercúleo da comunidade cientifica conseguiram sobreviver com o tratamento, entretanto descoberto e extremamente eficaz.
A crueldade de imprensa, da opinião pública, dos políticos e das pessoas de um modo geral foi o que me chocou. Os doentes com SIDA marcados e marginalizados. A igreja sempre pronta na condenação de comportamentos considerados impróprios ou desviantes e os governos dos países a apontarem o dedo aos cidadãos: homens gays, por comportamento promiscuo como a única causa para a propagação da doença. Em paralelo, a relevância sobre a sexualidade do Freddie Mercury, que só a ele dizia respeito parecia ser um tema de interesse mundial.
Ele que era um homem sensível, amigo do seu amigo e correto sofria horrores com esta perseguição e com o medo de ficar contaminado. À sua volta os amigos começavam a sucumbir e, mesmo para ele começou a parecer inevitável ficar contaminado. Logo nos primeiros sintomas, percebeu o que tinha e só o revelou publicamente na véspera da sua morte, num misto de: “Não quero que tenham pena de mim” e ao mesmo tempo “qualquer pessoa pode apanhar SIDA e ficar doente” em “tom” de alerta.
Há mais de 30 anos, no dia 20 de abril de 1992, o Estádio de Wembley enchia-se para homenagear Freddie Mercury. Ver aqueles músicos todos em palco a cantar as músicas dos Queen, na sua própria versão, a glorificar o legado do Freddie Mercury continua a arrepiar-me! Senti-me feliz por rever aquelas imagens e ao mesmo tempo triste. Na época não tive noção da proporção gigantesca disto tudo (a idade não permitiu nem as ocorrências dramáticas que vivi nestes anos) para compreender que para os músicos dos Queen aquela foi também a derradeira despedida. Sem o Freddie nunca mais iriam ser os Queen e aquele momento marcou o fim – em bom – da banda.
Ao ver o documentário recordei que no dia que o Freddie Mercury morreu fui para a escola, estava no 8º ano a ter uma aula de Geografia, quando no meio da algazarra do arranque da aula uma colega diz: “morreu o Freddie Mercury, temos de fazer um minuto de silêncio!” e sob o olhar incrédulo do professor, tudo ficou em silêncio por um minuto, num sincero obrigado coletivo dos miúdos ao legado do Freddie Mercury.
Senti-me a rever este momento e a sorrir, no meio da tristeza a música encontra sempre maneira de celebrar a vida, como nenhuma outra arte consegue fazê-lo.
* “Freddie: The Final Act” (2021), de James Rogan, foi exibido a 4 de Fevereiro, pelas 22h, na RTP2.