Dizem que rir é o melhor remédio, por isso, começo este artigo com este cartoon de Hugo Vanderding.
A saúde mental é um dos temas do momento, mas ninguém gosta de admitir que esse momento pode ser o seu!
Neste campo, ainda há muita realidade para desbravar e muito preconceito para arrancar. Entrementes, é de louvar que hoje existam mais informações, maior abertura, mais conhecimento sobre o nosso cérebro e o que se passa dentro dele.
Gostava de vos apresentar a Joana.
A Joana teve depressão e tem síndrome do pânico, inicialmente tinha consultas com o médico de família, mas considerou que devia consultar um psiquiatra.
Por recomendação, escolheu um especialista de um hospital privado. No entanto, como o seguro que tinha era do trabalho e ela saiu do mesmo, o seguro acabou. A Joana pediu para ser consultada por um psiquiatra do hospital público da sua residência.
No hospital privado, a Joana tinha consultas todos os meses e chegou a ter duas vezes por mês, sendo que lhe foi dado o contacto do médico para possíveis dúvidas ou urgências. No hospital público, a Joana teve consultas de três em três meses. Em caso de urgência, deve dirigir-se ao hospital e em caso de dúvida tem de aguardar pela próxima consulta. Também pode ligar para o hospital e pedir para falar com o médico, mas é incerto.
No caso da Joana além de medicação era importante fazer terapia, que a Joana já fazia, mas como ainda não tinha encontrado um terapeuta com quem pudesse “casar”, pediu para ser atendida também no SNS em psicologia.
…
“Joana Marques gabinete 10.”
Levantou-se e sentiu o ambiente distante e frio daquelas paredes. Já o havia sentido enquanto subia as escadas em forma de caracol, que se assemelhavam a quem estava a subir uma masmorra.
Bateu à porta do gabinete que estava entreaberta, e ao espreitar viu uma mulher, nos seus 60 anos, sentada a falar ao telemóvel. Aquela mulher deveria ser a sua psicóloga.
Esta, por sua vez, olhou para Joana e fez-lhe sinal para entrar e se sentar.
Joana ajeitou-se na cadeira e sentiu-se pequenina.
A terapeuta continuou a sua conversa ao telemóvel, a sua voz soava irritada dando a impressão de que algo não corria bem.
Joana ficou em estado de alerta.
A psicóloga levantou-se, fez sinal a Joana para que esperasse e saiu.
A utente ficou à espera.
Olhou à volta e viu uma cadeira ao canto onde estava sentada uma estagiária.
Passaram-se 20 minutos.
– Isto é sempre assim? – perguntou Joana incrédula.
– Não, ahhh, bem eu até começava, mas quando são primeiras consultas a Dra. gosta de ser ela a começar. – A estagiária remexia nos papéis como se procurasse ter mais tempo.
– Está bem. – disse Joana.
Aguardaram as duas em silêncio com o peso das palavras que ouviam lá de fora.
A terapeuta voltou e sentou-se. Enquanto mexia no computador disse:
– Bem vamos lá começar. Tinha mesmo de atender, era importante e eu sou a coordenadora. – Arregalou os olhos para o computador – Aí isto não está bem, então aceitaram o paciente que chegou atrasado antes desta senhora, eu assim não consigo. Oh Armanda, venha cá! – Levantou-se novamente e saiu.
A administrativa e a psicóloga voltaram ao gabinete de consultas e conversavam acerca dos utentes que ainda havia para atender, das obras que começariam daí a meia hora e do barulho.
Joana mexeu-se na cadeira.
A psicóloga olha pela primeira vez para ela e diz:
– Bem vamos lá começar, então deixe lá ver o seu processo e o que diz a sua psiquiatra. – Começa a ler as folhas que estão à sua frente, pois o computador não está a abrir os ficheiros, não funciona.
– Estou a ver aqui que tem alguns hábitos de consumos. Digo-lhe já que se for consumos não é comigo, vou ter de encaminhar…
O resto da consulta são conselhos de como resolver os problemas que a Joana acha que tem, baseados na experiência e vida da Dra. A próxima consulta seria dali a um mês.
Quando saiu da consulta Joana ligou a uma amiga que, no passado, também já tinha tido consultas com aquela psicóloga. A amiga disse: – Sim, ela é sempre assim.
Passados dois dias Joana liga para o hospital e diz que não precisa de mais consultas, vai para uma psicóloga particular.
…
Joana é um nome fictício numa história real. Isto não foi criado, isto aconteceu mesmo!
Pode até não ser geral, pode ter sido um caso isolado de um profissional isolado, a excepção.
O que não é excepção é a diferença no acompanhamento de pessoas que têm algum problema do foro mental, em instituições públicas e em instituições privadas.
Eu sei que podemos referir que depende do sítio, depende do caso, depende dos profissionais, depende de muita coisa.
E isso também é verdade, mas fica a reflexão e o meu pesar: Coitados dos que dependem dos cuidados de saúde mental oferecidos pelo SNS.
Não ter como escolher e ficar à mercê da sorte é como um tiro no escuro.
Quanto a mim, agradeço à minha psicóloga Maria José Leitão, pelo seu profissionalismo.
Link para reflexão: Saúde mental: 5 sinais a que deve estar atento | Conteúdo comercial
Olá, Marília!
Artigo interessante, mas redutor, como tu bem alertas no final.
Infelizmente, é uma realidade e, assim como há profissionais que são bons e têm o dom para aquilo que exercem, também há (demasiados, no meu constatar), que nem são bons profissionais e muito menos gostam do que fazem.
No caso do SNS, e porque as pessoas dele necessitam, consideram não ter de ser parte activa na mudança. Apenas refilam, viram as costas, e abandonam (os que podem). Os que não podem permanecem e, nada fazem, com medos de represálias e porque é “o sr. Dr.”. Mas, garanto-te, que reclamam e muito e são agressivos para com quem os atende no secretariado.
E, sim, há médicos assim. A “Joana” poderia ter “virado costas” e procurado ajuda fora, mas exercendo o seu direito de participar, de expôr, em conjunto com outras mais como ela, certamente a médica seria alertada para o facto. Certo também que, poderia não alterar comportamentos, mas seria exposta. 😉 Isto digo eu que estou do outro lado do gabinete. 😉 Continua o excelente trabalho!