É uma pena não termos maturidade suficiente para apreciar os autores portugueses quando os estudamos na escola.
A tenra idade não nos permite ler nas entrelinhas e entender ideias subjacentes, tendo, na grande maioria das vezes, somente a capacidade de interpretar literalmente o que lemos.
Felizmente, para alguns de nós, o interesse e a vontade de os reler regressa anos mais tarde e é tão gratificante perceber as diferenças.
Há um, na minha opinião, que se destaca de todos os outros: Fernando Pessoa (1888/1935 – poeta, filósofo, ensaísta, dramaturgo, astrólogo, tradutor, publicitário, correspondente comercial, entre outras ocupações) e os seus heterónimos, pela sua peculiaridade e genialidade. Aquilo que aos olhos de um adolescente parece ser tão complexo, para um adulto faz todo o sentido.
Todos temos, ou, se não temos, deveríamos ter, a noção de que somos compostos por diferentes “eus”: temos o “eu” no trabalho, que é bem diferente do “eu” em casa com a família, depois há o “eu” de quando estamos com os amigos, porventura o nosso “eu” dos amigos será diferente consoante os amigos, e depois temos o “eu” mais importante, que é aquele que é só nosso, só nós próprios o conhecemos (quase) na totalidade.
Se pensarmos assim, ajudar-nos-á, por certo, a entender um pouco melhor o pensamento deste autor e dos seus heterónimos, nomeadamente aqueles mais conhecidos: Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Bernardo Soares, pois um heterónimo, não é mais do que um “alter-ego” (termo que provém do latim e que quer dizer “outro eu”).
Todos estes “eus” de Fernando Pessoa tinham uma história de vida diferente, datas e locais de nascimento diferentes, características pessoais e vivências diferentes as quais moldaram a sua escrita, tornando-a singular, única.
Neste contexto, ao analisar os poemas de Alberto Caeiro, percebemos que se trata de um poeta simples, ligado à natureza e às coisas puras.
Ao lermos Álvaro de Campos, que valorizava a modernidade (futurismo) e o progresso, deparamo-nos com um tipo de poesia mais pessimista e decadente.
Por seu turno, Ricardo Reis, privilegia a harmonia, a clareza, a serenidade e o prazer de viver (o meu preferido, não só pelas características que acabei de enumerar, mas também porque ele dedicava os seus poemas a uma “Lídia”).
Já o Bernardo Soares, é caracterizado pelo próprio Fernando Pessoa como sendo um semi-heterónimo, pois de todos eles é aquele cujas características mais se assemelham às suas.
Não confundamos heterónimo com pseudónimo. Pseudónimo é quando o autor prefere, pelos mais variados motivos (para ser mais apelativo ou para omitir a sua real identidade) adoptar um nome “comercial” diferente.
Existe ainda o termo – ortónimo – que se utiliza quando um autor assina com o seu próprio nome.
Perante tanta complexidade, rapidamente se depreende que Fernando Pessoa era, de facto, um génio, ou não tivesse sido influenciado por outros génios da literatura quer portuguesa, quer estrangeira, como Luís de Camões, Camilo Pessanha, William Shakespeare e Edgar Allan Poe entre outros. Muito à frente do seu tempo, de tal forma que as suas obras e temáticas continuam muito actuais.
Actualmente, estamos perante um autêntico “boom” de autores portugueses. Há alguma qualidade, porém, é deveras difícil igualar quanto mais ultrapassar tamanha genialidade.
Para tudo se quer, também, um pouco de sorte.
Na verdade, os “génios” de hoje parecem “fabricados”. A sua proveniência e/ou afinidades, ditam o seu sucesso ou o seu fracasso.
Muitos haverá que têm realmente qualidade, porém, se não tiverem a tal “sorte”, ficarão pelo caminho, ou somente lhes será dado o devido valor “post mortem”.
No fundo, o importante é ler, é continuar a incentivar a leitura, é perceber o que motiva os escritores a escrever e conhecer as estórias por detrás de cada estória.
Nota: Este artigo foi escrito seguindo as regras do antigo acordo ortográfico.