Em pesquisa para um artigo sobre dor, tropeço com declarações, no mínimo polémicas. Como devem entender, estas conversas, entre pacientes e médicos, são absolutamente seguras e os intervenientes não são identificados, por razões óbvias. A dor é uma palavra que arranha a garganta e não deixa respirar em condições, seja ela qual for. Mas quando se trata de um filho é ainda acrescentada de um punhal nas costas, de uma chave de parafusos no estômago e de um alicate no coração. Apertam e torcem tanto que só se quer é morrer para não sentir aquela profundidade de sentimentos que assolam e manipulam.
Todos queremos um filho saudável, perfeito, com 10 dedos nas mãos e 10 dedos nos pés, queremos que tenha 2 pernas e 2 braços, que tenha tudo para ser uma pessoa que possa ser feliz. Queremos e desejamos muito! É legítimo. Só que querer e acontecer são verbos diferentes. Idealizam-se vidas e histórias que marcarão as vidas para sempre. É natural. As expectativas são altas e as hormonas ajudam a planificar aquilo que irá ser. Ainda não o é. faz parte. É mesmo assim.
Os exames todos, as ecografias e o batalhão respectivo, aliviam ou preocupam. Se aliviam tudo prossegue ao ritmo que se pretende. A preocupação é que faz com que os pés fujam, com que a cabeça se altere, com que o coração salte e com que as pernas se sintam perdidas. É compreensível. Como se fica quando é dito que um filho tem um problema grave? Além da avalanche dos sentimentos e das emoções é ainda o pedregulho da tomada de decisão. Se deve ou não continuar aquele projecto que tinha sido planificado e desejado.
Num dos casos analisados, a decisão foi positiva. Mesmo tendo sido alertados para as futuras consequências, decidiram que a criança deveria nascer. Voltaram a referir as outras situações associadas, a falta de autonomia e a não cognição bem como o calvário que seria, não garantindo nunca uma vida dentro dos parâmetros regulares. A decisão estava tomada e foram inabaláveis. E porquê? Não foi uma decisão de carácter religioso e muito menos leviana. Foi tomada de modo lúcido. E a criança nasceu com as sequelas previstas e outras ainda, a elas associadas.
Outra situação é igualmente estranha pela decisão dos progenitores envolvidos. Tudo corria bem até que, naturalmente, a gravidez deixou de existir. Foram avisados que havia um problema que não permitia uma nova gravidez natural. A opção seria a fertilização in vitro. Depois de tudo conversado, incluindo os valores monetários que implicavam todo o processo, passaram à fase da análise. É algo que deve ser meditado, a taxa de sucesso não é garantida, o aspecto psicológico é muito pesado e a pressão sentida não augura nada de bom. Eram os dois jovens e saudáveis, logo, as condições estavam reunidas. O que iria pesar seriam outros factores. Na data marcada os dois compareceram perante o médico e explicaram a decisão tomada. O valor era elevado, mas nada que eles não pudessem pagar. O que estava em questão era outra situação. Ou faziam a fertilização ou ela mudava de carro. Momento parado no tempo. Teria lido bem? Sim. A opção era entre ter um filho ou mudar de carro porque o valor era o mesmo. Decidiram mudar de carro.
O último caso que vou referir também está envolto em contornos muito complicados. Um casal jovem a quem é diagnosticada uma endomitrose grave, o que implicava dificuldade numa gravidez natural. Tinham uma relação muito forte enquanto casal e eram apoiados por toda a família. Os tratamentos podiam ser feitos, mas a taxa de sucesso era mínima, quase nula. Os custos, obviamente, seriam elevados, quer monetária quer psicologicamente. Sujeitaram-se a todos os procedimentos, mas o sucesso, tal como previsto, não foi positivo. A relação do casal sofreu algum desgaste e ele abandonou o lar. Meses mais tarde voltam a juntar-se e a tentar novo tratamento. O resultado foi idêntico. Os tratamentos foram abandonados. Dois anos passados voltam ao consultório e ela está grávida de gémeos. A gravidez foi tranquila e os bebés nascem na data prevista. Mas não termina aqui o relato. O pai, talvez devido ao excesso de trabalho e à pressão sentida, sofre uma depressão pós-parto, se assim se pode chamar. Saiu de casa e recusou-se a ver os filhos. A mãe passou ao estatuto de solteira e criou-os sozinha.
Perante estes factos a conclusão a que se pode chegar é que cada caso é um caso e que as pessoas reagem de modo diferente perante a mesma situação. Muitas vezes os objectivos mudam, a meio do caminho e os riscos não são devidamente calculados. Não me compete fazer nenhum juízo de valor, mas achei interessante partilhar estes casos por serem tão díspares e tão reais, o que nos leva a pensar, mais uma vez, nas opções que tomamos na vida.