Filhos da Terra

Nós humanos temos o privilégio de termos sido gerados e nutridos por duas Mães: a mãe que nos gerou no seu útero humano e a Mãe que proporcionou a nutrição e a existência e protecção desse mesmo útero num corpo humano, a Mãe Terra. E é sobre essa Mãe, da qual todos, enquanto Humanidade, somos filhos, a quem hoje dedico este texto e, desta forma, prestar-lhe, enquanto filha, o meu agradecimento a este meu/nosso colo Terreno.

Esta nossa Mãe comum proporcionou à nossa Mãe os alimentos, a água e o ar, que chegaram até nós numa ligação umbilical, permitindo alimentar a matéria celular que na nossa gestação começava a delinear e definir esta estrutura macro que agora são os nossos corpos humanos. Já nessa fase estávamos, assim, conectados de forma indirecta a esta outra mãe e sentíamos, através desta ligação indirecta, o pulsar da Vida por ela sustentado.

Esta nossa Mãe Terra que, mesmo passado o tempo da nossa gestação e nascimento, continua a sustentar esta nossa vida, esta nossa actual existência, dando-nos à boca o pão da vida e acolhendo-nos no seu colo quente e morno, onde podemos ouvir o bater do seu coração, o pulsar da sua vida, onde podemos sentir na pele o toque das suas lágrimas caídas do seu alto, onde podemos testemunhar a sua ira num raio de trovoada e ser apanhados na sua revolta num chão que treme e se separa em dois.

Esta nossa Mãe, de terra e barro feita, que como nós é um ser-vivo que chora e sangra, que ama e que se enfurece e a quem por vezes como às nossas mães de sangue viramos as costas, fazemos “ouvidos de mercador”, achando que já somos crescidos, donos do nosso umbigo, esquecendo assim que a ela estamos e estaremos sempre ligados, que a ela devemos a nossa vida e existência, que a ela devemos estar gratos pela vida que vibra, pulsa e habita em nós, fruto dela. Ignorando assim a sua sabedoria, o legado que nos pode passar da sua experiência do tempo dos tempos, da Era das Eras, antes mesmo de sermos um sonho por ela sonhado e, agora, concretizado.

Que fazemos nós, hoje, agora, a esta nossa Mãe, a este útero externo que nos gerou numa relação indirecta, mas não menos próxima? Como tratamos nós humanos esta Mãe, nossa, dos nossos filhos, dos nossos netos, mãe das gerações que foram e das que hão-de vir? Que fazemos nós a esta nossa raiz térrea?

As respostas ficam guardadas para cada um de nós, no coração de cada um de nós, seus filhos, cabendo a cada um, se assim o escolher, cuidar ou não, deste sopro que nos permitiu e permite a Vida, deste colo que nos viu nascer e nos acolheu e acolhe em si, dizendo do alto do chão da sua terra:

– Filho, esta é agora a tua casa e a ti te acolho e recebo como tua Mãe.

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