O caminho faz-se caminhando porque não há caminho, porque este só se faz ao caminhar”
António Machado, poeta espanhol
Caminhar. Caminhar 20, 30 ou até mesmo 40 km por dia.
Enfrenta-se a chuva, o frio ou o calor consoante a época do ano. Encontram-se muitos ou poucos peregrinos, mediante o mês em que se caminha, e todos focados num único objetivo: chegar a Fátima.
As motivações, essas, podem ser várias. A grande maioria das pessoas fará certamente este percurso por razões religiosas, movidas pela fé, muitas delas pagando promessas. Mas há as que cultivam uma espiritualidade mais lata e caminham para estarem em silêncio, para se encontrarem, para se expandirem, para meditarem, para se superarem. Há também as que caminham por lazer ou em busca de percursos culturais, encontrando prazer na vivência de mais uma aventura.
E tudo é válido para quem procura o conforto da Mãe, para quem vai agradecer uma bênção, para quem procura o conforto do seu regaço, às vezes mesmo sem o saber.
Caminhar até Fátima é um desafio tanto para o corpo como para a mente. Tradicionalmente é realizado a pé, pelos trilhos existentes e demarcados. Caminha-se sozinho ou acompanhado, em grupos maiores ou menores, organizados por instituições ou por iniciativa própria.
Um passo a seguir ao outro, por retas, subidas e descidas, com uns momentos mais desafiantes do que outros. Reza-se, medita-se, conversa-se ou simplesmente aprecia-se a paisagem. Duvida-se que se consiga terminar aquela etapa, mas na verdade supera-se o cansaço e os pés continuam a mover-se.
Atualmente há quem percorra os trilhos de bicicleta. Na Galiza, os Caminhos de Santiago são também percorridos a cavalo e são estas as três formas possíveis de obter a Compostela, o documento que atesta a autenticidade do peregrino de Santiago.
Nos últimos anos tem sido realizado um esforço na manutenção e divulgação destes percursos. São uma prova do enraizamento profundo do catolicismo em Portugal, mas são também parte do nosso património cultural enquanto povo. A Associação Caminhos de Fátima será a grande responsável por este trabalho, permitindo aos peregrinos individuais – leia-se aqueles que não estão inseridos em grupos organizados por paróquias ou outras instituições – traçar o seu próprio itinerário.
Visitando o seu site encontramos registados vários percursos. E sim, é preciso enumerá-los, referindo o ponto de partida e sabendo que todos rumam a Fátima: Caminho do Tejo (Lisboa), Caminho do Norte (Valença), Caminho Poente (Nazaré), Caminho Nascente (Tomar), Caminho do Médio Tejo (rotas de Tomar, Sertã e Abrantes), Caminho dos Candeeiros (Rio Maior), Caminho do Centenário (Vila Nova de Gaia), Caminho Sudeste (Abrantes), Rota Carmelita (Coimbra).
Há ainda quem fale do Caminho do Interior, que guia peregrinos das profundezas de Trás-os-Montes e das Beiras. Provavelmente será um dos caminhos mais longos e duros, uma verdadeira prova de fé. A quem duvida fica a sugestão para assistir ao magistral filme do luso-francês João Canijo, Fátima, que retrata os dias de um grupo de onze mulheres ao longo dos 430 km de passos que separam Vinhais da Capela das Aparições na Cova de Santa Iria, percorridos em nove dias de peregrinação.
Acreditando ou não nas aparições de Fátima, a realidade é que este é um sítio onde há algo especial: há quem lhe chame fé, há quem lhe chame energia. A verdade é que se sente a magia de estar ali. E para quem chega a pé essa sensação é redobrada pelo sentimento de dever cumprido. Nesse momento esquecem-se as dores musculares, as bolhas nos pés, os ombros doridos do peso da mochila. Nesse momento abre-se o coração e agradece-se o facto de se ter conseguido, de ter abraçado e superado um desafio.
Para mais tarde ficam as recordações, a lembrança das pessoas que se conhecem, dos locais por onde se passa, as fotografias tiradas, as cores e os aromas das paisagens registadas na memória.
Lentamente, começa-se a pensar quando se há-de regressar. E essa é uma das magias dos Caminhos (Fátima e Santiago). Experimentem e depois logo verão.
Nota: Este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico