A sociedade em que vivemos nos dias de hoje, não só nos ditos países desenvolvidos, é uma sociedade construída à volta da energia de carbono, que se desenvolveu em específico para uma sociedade à volta do transporte rodoviário, com especial ênfase para o transporte individual.
Não vale a pena tecer teses de como livrar as cidades dos carros sem reconhecer essa realidade. Que é também a realidade que nos tornou individualmente em consumidores e que nos ofereceu o aquecimento do clima. E uma sociedade que falha em ultrapassar a pobreza e as diferenças socio-económicas entre indivíduos.
Que cidades queremos para o futuro? Ou melhor, que futuro queremos para o mundo? Como podemos condenar o uso individual do transporte rodoviário quando o comércio local está a desparecer a olhos vistos e os supermercados estão nas periferias das localidades? Como, quando o trabalhador se tem de deslocar para o seu local de trabalho, com alguma mobilidade de emprego, hoje para este, amanhã para oeste, quantas vezes fora da localidade onde reside? Como, quando os transportes públicos oferecidos não oferecem variedade, quantidade, conforto suficientes? Como, quando ao mudar de emprego o empregador não pode mudar de localidade?
Somos prisioneiros do transporte rodoviário, e desta vez porque a sociedade foi construída em cima dele, com a facilidade que oferece. Afastando pessoas, comércio e serviços dos centros, e até mesmo de muitas localidades. E a tarefa de alterar esta realidade é colocada nas mãos do consumidor. É o consumidor que deve decidir se não utiliza o seu transporte individual. É o consumidor que deve decidir consumir menos (todo um outro artigo…), é o consumidor que se deve decidir por uma vida mais sustentável.
Quando, à sua volta nada muda. Quando o estado pouco faz, quando as empresas pouco se esforçam. O consumidor, preso numa realidade superior a ele, é que deve mudar os comportamentos?
Penso muitas vezes como nos conseguimos entalar nesta realidade, e lembro as lições de Yuval Noah Harari. Os seres humanos evoluem a sua tecnologia mas conseguem colocar-se em armadilhas.
Confesso que a pandemia, a solução do trabalho online foi uma lufada de ar fresco em relação a esta realidade. Falava-se no novo normal. Ninguém desejava as máscaras na cara, mas quantos preferiram o trabalho online, pelo menos parcial? Mas aos poucos teve de se “regressar à realidade” e poucas foram as organizações que mantiveram trabalhadores online, não sendo capaz de aproveitar o pouco de bom que a pandemia trouxe.
Enquanto professora, pelas escolas onde tenho estado, as reuniões online desapareceram gradualmente. Ninguém deseja as aulas à distância, que foram um “arremedo” que os professores construíram em cima do joelho com poucas diretrizes e pouco tempo, focados na sua missão de ensinar, não querendo deixar um vazio nos alunos como aconteceu em muitos países. Mas talvez muitas das nossas reuniões, sobretudo aquelas depois das aulas, em meses de inverno, devessem ser online, a pensar nos professores que todos os dias fazem 60, 70 e mais quilómetros para trabalhar.