Reflexão política #1: República monárquica

A quarta reconfiguração da composição do XXI Governo constitucional traz consigo, para além de outras questões intemporais como, por exemplo, a tempestuosa orgânica do Governo, uma nova questão: permite a ética republicana que um Governo seja constituído por pessoas que possuem entre si laços familiares diretos?

O primado da lei e da igualdade de todos os cidadãos perante a mesma é condição fundamental para que uma República opere como Estado de direito democrático. Estes princípios foram estabelecidos tanto na constituição de 1911, como na atual.

Para além da lei, a ética republicana não aceita que uns beneficiem de prerrogativas ou direitos que assentem em hereditariedade familiar ou títulos nobiliárquicos. Também não aceita que a res pública seja entregue a um restrito grupo de pessoas, ainda para mais, que, entre si, possuam laços familiares.

Dito isto, o Partido Socialista é o único partido político português que afirma, inequívoca e expressamente, ser o herdeiro das tradições socialista e republicana portuguesas, do século XIX e XX. Contudo, a sua praxis política e, em especial, a dos seus dirigentes contraria um dos elementos-chave do partido: o republicanismo.

Vimos que no dia 18 de fevereiro de 2019 foram empossados novos ministros e ‘criados’ novos ministérios. Porém, a novidade é a composição do Conselho de Ministros: de entre os 18 ministros há um pai e a respetiva filha, uma esposa e o seu marido. Falo dos Vieira da Silva (José e Mariana, pai e filha, respetivamente) e de Ana Paula Vitorino e Eduardo Cabrita. Deste modo, o órgão de governação mais importante do país reforça, na sua composição, a pequena elite (nobiliárquica) estruturada à volta de um ‘monarca’, todo-poderoso, onde as relações pessoais e familiares muito sedimentadas e restritas são fatores determinantes para fazer-se parte da governação do país.

A verdade é que, apesar de a revolução republicana ter sido feita há mais de um século, alguns dos seus ideais e, em especial, a ética a si associada, estão ainda por concretizar. Tendo isto em consideração, a questão que se levanta é a seguinte: deverá a lei entrar num terreno onde a ética foi, descaradamente, posta de parte?

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