Domingo à tarde, 1988, alguém sugere: “vê lá o que está a dar na RTP2”. No dia seguinte, em conversa com os colegas, surge a questão “viste ontem aquele tipo que foi ao 1,2,3?”. Espelhava a escassez na diversidade de conteúdos, uma verdadeira seca. Era quase mandatório, que todos víssemos o mesmo e sabíamos qual o tema de conversa no dia seguinte, naquela que era a nossa rudimentar e única rede social.
Hoje, 30 anos depois do nascimento da Internet, a maior parte das pessoas usa um smartphone, surgiram as redes sociais, evoluíram as plataformas e diversificaram-se os conteúdos, não faltam alternativas e como resultado disso, já ninguém está no mesmo contexto nas conversas matinais de segunda-feira.
Quando falamos da evolução da tecnologia, a sua relação com o bem-estar das pessoas e consequentes alterações na sociedade nestes últimos anos, é inevitável falar das redes sociais. São o alicerce fundamental da comunicação e de conexão da sociedade moderna, transformaram o acesso à informação, mas poderão estar a degradar as relações humanas.
Não há como nos desvincularmos desta tendência. É difícil decidir abandonar as redes sociais, uma vez que estas têm também benefícios positivos, não podemos descurar que, em muitos aspetos, tornam a nossa vida mais fácil, pois permitem-nos estar a par de eventos interessantes, conecta-nos com as pessoas de quem gostamos e ajuda-nos a estar informados em qualquer lugar. No entanto, esgota a necessidade de nos encontrarmos com frequência, pois as pessoas estão sempre ali, online ou não, mas à distância de um clique.
É intrigante como as redes sociais nos afastam das pessoas próximas e nos aproximam das pessoas distantes.
Muitas das vezes funciona contra nós. Afasta-nos da família, amigos e até mesmo de nós próprios, uma vez que nos rouba muito tempo. Estamos rodeados de pessoas virtuais, tornou-se tão fácil de estabelecer contacto com alguém, que banalizou a comunicação.
Temos a ideia que estamos ligados a diversas pessoas, mas, no fundo, quando regressamos à realidade offline, experimentamos um vazio, que pode potenciar a sensação de solidão e até, em casos extremos, a depressão. Esta ligação entre o uso de redes sociais e depressão tem sido discutida há anos, mas uma conexão causal nunca foi provada. Pela primeira vez, uma pesquisa da Universidade da Pensilvânia, baseada em dados experimentais, conectou o Facebook, Snapchat e o uso do Instagram à diminuição do bem-estar.
As pessoas sentem-se ansiosas, se não tiverem o smartphone perto e disponível. Vivem obcecadas por estar atualizadas por tudo o que acontece online, tanto que muita das vezes esquecem-se de viver o offline.
Tanto que a humanidade tem lutado pela liberdade e deixamo-nos enjaular desta maneira macabra e consentida. O ser humano tem de facto a capacidade de se deixar arrastar para o ridículo, conseguimos dar cabo do planeta, da sociedade em que vivemos, de nós próprios. Arriscamo-nos a ser motivo de paródia desta galáxia e arredores, tanto que, nem os alienígenas ousarão a visitar-nos.
Segundo o jornalista Pedro Marta Santos: “Agora que vamos percebendo que a Internet e as redes sociais, após uma efémera Era da Informação, servem sobretudo para contrariar o conhecimento, a literatura é o último reduto da luta da sabedoria contra a ignorância”. Palavras fortes, mas sábias.
Será que estamos programados para gostar das Redes Sociais tal como o nosso organismo está programado para gostar de açúcar?
Da negação até à aceitação, como em qualquer outro vício, as pessoas devem avaliar o grau desta nova dependência, perceber se o uso é exagerado e se não os acaba por deprimir. Se começar a prejudicar outras áreas das suas vidas e se mostrar perigoso ou inadequado, como a verificação de conteúdos enquanto conduzem. Ou a manifestação do fenómeno ‘phubbing’, quando as pessoas preferem estar online a realizar ou partilhar momentos, em reuniões com família ou amigos.
Para aqueles que são genuinamente viciados, não há uma fórmula mágica. Contudo, não acredito na abstinência total. O caminho passará por adotar estratégias de desintoxicação digital que permitam reduzir a quantidade de tempo gasto em redes sociais, como: Desativar as notificações de som; verificar o smartphone no máximo uma vez por hora; impor como proibitivo o seu uso durante o horário das refeições. Para ajudar a controlar o vício, já existem várias apps, tais como o Freedom, Moment, Menthal ou Forest.
O jornalista e escritor Miguel Sousa Tavares, sempre bastante arrojado, disse: “Odeio qualquer rede social. Todos os dias descubro mais vantagens em não estar lá, aquilo que ganho com isso é privacidade e tempo, dois luxos hoje em dia”.
O excesso de horas gastas online tem um sabor de interminável sentimento de chegar a lado nenhum, que poderá chegar a um estado de masoquismo puro. Uma autêntica automutilação cognitiva e sensorial, tendo em conta o maravilhoso universo à nossa disposição, a vida à espera de ser vivida.
Acredito que as redes sociais podem constituir uma mais-valia no nosso quotidiano, se usadas pontualmente também como uma forma de catarse, desde que a sua utilização seja bem doseada, minimizamos os impactos negativos no nosso estilo de vida, sem afetar o nosso bem-estar. Um pouco à imagem do açúcar, não é recomendável o uso abusivo. Moderação gera equilíbrio.