Existem alguns momentos na História de qualquer sociedade que fazem exaltar sobremaneira os ânimos gerais. As eleições são alguns desses momentos. E quando se junta religião a esta exaltação, na maioria das vezes não dá bom resultado pela irracionalidade dos atos e das palavras proferidas.
O clima político brasileiro revela a crispação entre o lado democrático e a tendência autoritária que ainda não conseguiu reunir as condições suficientes para instaurar uma ditadura. Neste caso, líderes mais sonantes, mas com pouca substância política, acenam com o Céu ou Inferno em função da adesão a Lula ou Bolsonaro. Parece que o Paraíso está para quem vote Bolsonaro…
O clima está tão intenso que a Igreja também intervém na campanha política. Recentemente vi um vídeo em que um líder religioso defendia que um crente não pode ser de esquerda. Por outras palavras, quem é crente está condenado a viver no Inferno. Para quem não leu a Bíblia ou o Alcorão, pode perceber por Dante que não parece ser um espaço muito agradável de se estar. E isto tudo porque, tendo em conta a visão política de uma pessoa, não tanto as boas ações, é o suficiente para entrar numa porta ou noutra.
Logo após a renúncia de Evo Morales, Jeanine Añez, na Bolívia, fez notar que isso foi um ato de Deus, permitindo, assim, que a Bíblia voltasse a entrar no Palácio presidencial. Como prova desse facto, exibiu uma Bíblia da varanda do Palácio. Aparentemente, uma divindade necessitou que uma pessoa se demitisse para que a Sua palavra pudesse estar num espaço só para elemento de decoração.
O problema que se coloca é o seguinte: de que esquerda falam estes religiosos? Divergências quanto à problemática da identidade de género não reflete o campo político da esquerda de um modo geral. Ambientalistas são de esquerda? Não consta que o Rei do Reino Unido seja de esquerda, não obstante ser um ambientalista, muito pelo contrário.
Ao fundamentar na Bíblia a preferência entre orientações mais à esquerda ou mais à direita colocam uma pressão enorme sobre os escritores da Bíblia. Dizem os estudiosos que a Bíblia foi escrita ao longo de séculos, por dezenas de pessoas em diferentes períodos da História. Por outro lado, os termos esquerda e direita são recentes, comparando com o Livro, e recuam ao século XVIII, nomeadamente, por um mero acaso após a Revolução Francesa: conservadores, defensores de um tipo de sociedade hierárquica e feudal, sentaram-se do lado direito do hemiciclo e os progressistas, defensores de mais liberdade social e do fim da rigidez social, sentaram-se do lado esquerdo. Quando termos como direita e esquerda deixarem de fazer sentido, como já começa a suceder, o que irá acontecer à visão política dessas denominações?
As generalizações têm muitas limitações, nomeadamente, a da exagerada simplificação da realidade. Ao resumir o campo progressista a esquerda, colocamos no mesmo grupo: marxistas (que por sua vez se dividem entre maoistas, estalinistas, trotskistas, entre outros), anarquistas, ecossocialistas, eurocomunistas, socialistas, entre outros. Mesmo no seu seio a convivência não é pacifica, pois, cada grupo apresenta os seus argumentos para demonstrar que o caminho correto é aquele e os outros grupos estão em erro.
Estas generalizações grosseiras criam estereótipos e, especialmente, um inimigo invisível que pode atacar a qualquer momento e contra o qual é preciso estar alerta. Tudo o que um bom líder populista precisa é de um inimigo. De preferência abstrato o suficiente para qualquer adversário ao movimento possa ser incluído nessa categoria, de modo a justificar a necessidade de se perpetuar no poder.
Em nome da religião, atrocidades foram cometidas, guerras civis foram travadas e povos separados. O problema não está na religião, mas em alguns dos líderes dessas comunidades. É de todos sabido o património financeiro expressivo, especialmente, quando contrastados com a realidade de quem alimenta esta máquina.
Não importa se se é de esquerda ou de política. Não creio que Deus se importe se perspectivo uma sociedade mais igualitária ou estratificada. Não existe uma cartilha política, apenas fazer o bem ao Outro.