O livro que promete desvendar para onde vão os guarda-chuvas é um dos últimos sucessos da literatura portuguesa. Apesar de ser algo normal, elevar a fasquia de um livro para altos patamares de qualidade, essa falta de rigor na classificação resulta em fraca publicidade para o livro em questão. O mercado português, noutras situações, também demasiado comuns, infelizmente, aplica uma notoriedade elevada aos livros fast-food, livros de leitura rápida que nunca chegam a satisfazer o leitor. Felizmente, a última obra de Afonso Cruz não se encaixa em nenhum destes exemplos. O rigor na atribuição da sua qualidade é mais do que justificada, e, só podemos classificar o “Para Onde Vão os Guarda-Chuvas” como iguaria da cozinha tradicional portuguesa.
Afonso Cruz transporta-nos para o seio de uma família muçulmana, com os devidos hábitos religiosos, e conta-nos uma parte da sua existência através de uma prosa poética, nada contemporânea, chegando a tocar nos clássicos da literatura. O enredo transforma-se em cada página, fruto da qualidade imaginativa do autor, que faz o leitor mergulhar nas suas frases como se tratasse de um sonho comum, com cheiro a canela, a frutos secos, com mesquitas voadoras no horizonte. Pouco é comum nesta obra. Desde o trato da escrita, à originalidade metafórica com um jogo de estratégia, passando, também, por uma história que nos entrelaça, embora nunca em grandes capítulos e descrições, mas na forma de passagem entre a vida das personagens, sempre atarefadas, uns na descoberta filosófica da vida, enquanto outros se satisfazem com o sonho ocidental.
Na minha opinião, o destaque qualitativo só pode ser entregue às reflexões do autor sobre a condição humana, sobre as religiões e a convivência entre as demais, sobre as personagens, através da construção de personalidades bem vincadas, sobre o seu trajecto de vida no livro e, finalmente, sobre o trajecto das personagens na vida de cada um de nós, donos de imaginação e realidades distintas, poderosos decisores da vida de Fazal Elahi, Badini, Isa ou Aminah.
Mais do que vários enredos dentro da nossa mente, o autor faz um trabalho soberbo nos seus pequenos ensaios. Poucas palavras, na boca das personagens ou em processos narrativos. Esteticamente original, toda a audácia utilizada só poderia resultar em sucesso. Pode não chegar para o público dos best-seller, mas há sempre quem prefira algo mais do que fast-food em forma de palavras.