Orçamento de Estado para 2015: será este o primeiro dentro da lei?

O Orçamento de Estado de 2015 será o último deste Governo e o primeiro sem Troika. Também será, como tudo indica, o primeiro orçamento redigido e executado por este Governo que não terá normas chumbadas pelo Tribunal Constitucional.

Muito se fala nestes últimos dias deste documento que, quer queiramos, quer não, é, sem dúvidas, um dos documentos mais preponderantes de um país – a espinha dorsal do Estado. Para além de determinar o funcionamento da administração e da burocracia estatais, define a situação económico-financeira do país e, consequentemente, as nossas perspetivas individuais e coletivas de futuro. Opinar sobre este assunto torna-se, por vezes, demasiado complicado. Quando se fala em orçamento passa-se a falar uma outra língua: o economês. Não se fala em termos que, tanto leigos, como entendidos na matéria percebam e saibam dar o seu ponto de vista.

Então, deves estar a perguntar-te: trata-se de um documento deveras importante? Sim, sem dúvida. Para além das contas a prestar para com os cidadãos portugueses (especialmente, porque vão ser postas à prova nas legislativas do próximo ano), o Governo tem de cumprir as normas comunitárias que se revelam inflexíveis, particularmente nestes últimos tempos em que assistimos à firmeza francesa perante as ameaças da comissão europeia.

Agora, passando ao conteúdo deste orçamento. Várias alterações, quase radicais, estão em cima da mesa. Muitas boas notícias e, para variar, muitas más notícias. “Este orçamento não será um alívio para os portugueses”, como referem os representantes dos partidos da oposição, num dos debates da comissão parlamentar do orçamento e finanças. Em contracorrente, a maioria parlamentar que suporta o Governo afirma que este orçamento é o que é possível fazer, depois do ajustamento financeiro.

“Há mais vida para além do défice”, dizia Jorge Sampaio. Porém, nos últimos dias, só se ouve falar nisto. Défice para aqui, défice para ali. A conversa do défice é deveras engraçada, especialmente quando as pessoas não sabem como a conta surge e o porquê de, mesmo quando a despesa diminui, o défice aumenta. De facto, o défice é calculado tendo em conta as contas do Estado (as necessidades financeiras) e o seu PIB (capacidade teórica de as poder pagar). Desse cálculo surge um número mágico: o valor do défice. A meta definida este ano é (muito) ambiciosa. Apesar de se situar duas décimas acima do objectivo inicial de 2,5%, continua, contudo, três décimas abaixo do limite dos 3% estabelecido pelas instâncias europeias.

Para além da descida do défice, o Governo congratula-se por manter a previsão de crescimento do PIB, no próximo ano, de 1,5%, coincidente com a do FMI. Já a taxa de desemprego será de 13,4%. Junte-se a isto a diminuição de 5% dos encargos com as famosas, mas também ruinosas, Parcerias Público-Privadas (PPP). O Governo já confirmou aos grupos parlamentares que a taxa de IRC vai mesmo descer novamente em 2015, tal como estava prometido desde o ano passado, quando foi aprovada a reforma do imposto. Passará, assim, para os 21%.

Apesar deste progresso propagandeado pela maioria PSD/CDS, há coisas que mudam, talvez para pior, e coisas más que se enraízam e que se tornam inevitabilidades eternas. O discurso do Governo fala apenas em austeridade necessária, a verdade é que a prática desmente isso. Neste documento, vislumbra-se a colocação na mobilidade especial 12 mil funcionários públicos e o disfarce da possibilidade de contratação pública, mas com uma condição fundamental: os organismos do Estado só podem contratar não por falta de pessoal necessário ao bom funcionamento do respetivo organismo, mas sim, se não subirem a despesa.

Isto não é tudo. Juntemos o congelamento das promoções e progressões na carreira e a proibição dos prémios de desempenho, o prolongamento, por mais um ano, do pagamento de metade dos subsídios de férias e de Natal em duodécimos e a confirmação de que a sobretaxa do IRS não baixa em 2015. Contempla-se também que o Rendimento Social de Inserção (RSI) e o Complemento Social para Idosos (CSI) vão sofrer uma redução de 2,8% e 6,7%, respectivamente. A despesa com o ensino básico e secundário baixa 704,4 milhões de euros, em 2015, face a 2014. O orçamento para a Justiça ascende a 1.335,8 milhões de euros, registando um decréscimo de 8,4% relativamente a 2014.

No que toca à política de alienação do património do Estado, tudo continua na mesma. Agora segue-se a privatização da TAP, CP Carga e EMEF. No relatório da proposta de Orçamento do Estado, o Governo reafirma a intenção de lançar ainda este ano o procedimento para a concessão da operação dos transportes públicos do Porto e de Lisboa.

O Governo conta ainda (e bem) com uma “almofada” de 748,6 M€, para precaução de eventuais buracos orçamentais que possam surgir, durante a execução orçamental do próximo ano.

Depois desta descarga de informações, há uma pergunta fundamental a fazer: há mais austeridade? Mais do que a que já vimos nestes últimos três anos parece-me que não. Pois, caso a austeridade se avolumasse, “traria mais pobreza”, afirma Manuela Ferreira Leite, antiga ministra das Finanças. Segundo o vice-primeiro-ministro (e a maioria parlamentar), o orçamento é fiscalmente “mais moderado” e, logo, melhor que o do ano passado. Já Vieira da Silva, enquanto representante do principal partido da oposição, o Partido Socialista (PS), acusa este orçamento de ser pouco credível. A isto, juntam-se os partidos mais à esquerda, que afirmam mesmo ver a presença da Troika “em cada página do orçamento”.

Pensar que este vai ser o orçamento a ser executado no próximo ano pode estar perto de um sonho. Não é exclusivo deste Governo (apesar de ser o que mais o fez), mas a rectificação do orçamento é uma constante nos últimos anos da vida política portuguesa. Por isso, desenganem-se aqueles que acham que isto é um documento fechado. Muito ainda está por ser discutido, mas o sumo desta proposta de orçamento (sim, porque ainda tem de passar pelo crivo do Parlamento) é este.

E sim, pelo menos, há uma coisa com a qual podemos estar contentes: ao fim de três anos, temos, tudo indica, um Governo que aprendeu a governar de acordo com a lei.

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