Quando o Sérgio lhe apareceu à porta, sorridente, feliz, e ainda mais bonito do que ela se lembrava, com um ramo de flores brancas na mão para lhe oferecer, a sua primeira reacção foi atirar-lhe o guarda-chuva à cabeça.
“Como é que te atreves?” gritou, e fechou-lhe a porta.
Nem queria ouvir as suas explicações!
Que explicação teria ele para ter desaparecido durante dois meses? Nem uma chamada, nem um postal, nem uma mensagem. Nada de nada!
E a forma de desaparecer? No mínimo, seria de deixar qualquer pessoa indignada! Indignadíssima! Revoltada e despeitada a ponto de contratar um assassino a soldo, se não tivesse sido bem educada pelos pais.
Quer dizer, ele já tinha desaparecido outras vezes, mas acabava sempre por voltar, e nunca por tanto tempo. Desaparecia para ir beber uma cerveja e voltava três dias depois; ia ter com amigos, e uma semana mais tarde é que se lembrava de lhe telefonar a dizer que estava bem. Mas daquela vez tinha ido longe demais!
Ela, sozinha no restaurante, à espera que ele voltasse do Multibanco com dinheiro para pagar o jantar, e o dono do restaurante a olhar para ela. Os olhos do dono eram metade raiva, metade pena. Três horas depois, ela sentiu que ele não voltaria, e teve medo. Muito medo. A primeira coisa em que pensou foi que tivesse sido assaltado. Chamou a polícia, telefonou aos pais dele e dela. Ele parecia ter desaparecido sem rasto. Ela chorou, procurou-o, ofereceu recompensas, pensou em ir para freira. Isto, durante um mês, que foi o tempo que a polícia demorou a dizer aos pais que Sérgio não tinha sido raptado: eles tinha-no localizado, e ele, sendo maior de idade, disse que simplesmente não queria ser encontrado.
“Sofia, desculpa!” dizia a voz dele atrás da porta.
Não sabia se abrir a porta e atirar-lhe com mais alguma coisa, ou se ir para o quarto para não ouvir a voz dele.
Decidiu-se pela segunda opção.
Minutos depois de estar sentada na cama, a roer as unhas de raiva e nervos, ele apareceu-lhe à janela. Abriu-a, sem mais.
“Velhos hábitos não mudam, esqueces-te sempre da janela aberta para eu entrar” sorriu.
Ela levantou-se, pronta para fechar a janela e entalar-lhe os dedos, mas ele foi mais rápido e entrou. Maldito!
“Podes ouvir-me?”
“Deves estar a gozar!” não conseguia parar de gritar.
“Tive medo. É verdade, fui cobarde, mas quando começaste a falar em casamento, senti-me inseguro. Não sabia o que fazer.”
“E achaste que a melhor opção era abandonar-me num restaurante.” Respondeu-lhe ela, sarcasticamente, virando as costas.
“Não sei o que me deu. Mas estou arrependido, senão não teria voltado. Era mais fácil não o fazer.”
“O que é que queres?”
“O quê?”
“O que é que queres? Para teres voltado, deve haver alguma coisa.”
Ele olhou para ela, fingindo indignação. Depois, ao ver o olhar duro dela, suspirou e encolheu os ombros, desistindo.
“Arrependi-me, gostava de voltar a estar contigo. Funcionamos bem juntos, desde que ninguém fale em casamento…”.
Ela pegou na orelha dele, tirou-o do quarto dela, levou-o até à porta da saída, abriu e deu-lhe um pontapé para ele sair.
“Não voltes a aproximar-te de mim, que da próxima vez tiro o taser da mala.”
Fechou a porta, voltou para o quarto e trancou a janela. Fechou as cortinas, e preparou-se para ignorar os tap tap tap que os dedos dele insistiriam em fazer no vidro. Mas nada aconteceu.
E, estupidamente, deu por si a desejar que tivesse acontecido.
Suspirou. Eles eram assim, era o ritual deles. O amor deles era assim. E, afinal, ele tinha voltado para ela, alguma coisa queria dizer. Além disso, estava grávida de três meses, de certeza que quando ele soubesse do filho tudo mudaria!
Sofia foi até à porta, e abriu. Sérgio estava sentado, à espera dela. Mais bonito do que nunca, notou ela novamente. Ela fez um sinal com a cabeça, para ele entrar. Ele fechou a porta atrás dele.