O telemóvel já não tocou naquela tarde. Ficou esquecido sobre uma mesa, sem bateria, sem que desse sinal de vida, sem que pudesse avisar alguém que tinha mais uma chamada, mais uma mensagem, mais um “like” ou uma partilha, mais um post para ver… Se bem que, na verdade, chamadas e mensagens eram cada vez menos comuns, já ninguém o faz. As chamadas agora são “spam” e as mensagens de encomendas para levantar.
E como o telemóvel ficou cego e surdo, desligado, a vida continuou a ser o que era antes. Tomou-se um café, partilharam-se novidades, deu-se um beijo, dois ou três, um pouco mais, talvez, apertou-se uma mão, deu-se um abraço, chamou-se a atenção a uma criança. Comeu-se em silêncio, na casa de banho leu-se um livro.
Era já noite quando alguém se lembrou que aquele telemóvel tinha ficado para ali abandonado. Ligou-se à corrente, esperou-se que voltasse a ligar, regressou a enormidade de sinalizações sonoras de notificações.
De pescoço pendido, olhos fixos, uma a uma foram verificadas, passou algum tempo, mais que o esperado. Nem uma chamada, de urgência sequer, nem uma mensagem. Não havia convites, nem para um café, nenhum elogio, nenhuma repreensão, nenhum pedido de amizade de um amigo perdido da escola primária, nem de um antigo namorado. Nada. Um exagero de informação desnecessária. Depois o vazio, ver “posts”, vídeos, à espera que algo aconteça, que chegue aquela notícia, a GRANDE notícia, qualquer coisa que ilumine a vida, nem sabe o quê.
O melhor é mesmo nem abrir o site das finanças, porque aí estão sempre más notícias. Passou demasiado tempo. É tarde. Não houve serão, nem TV, muito menos um livro. Apenas uma solidão escura no telemóvel. Tanta gente por detrás do ecrã, mas como se fossem ninguém.
Artigo escrito segundo o Novo Acordo Ortográfico